Hei eu de transformar-me em queda d’água, cachoeira, ente fluido que se direciona a queda, voando; libertar meus pensamentos e meu coração de sua caixa torácica, olhar ao fundo de meu próprio olho — sem que seja o reflexo — de dentro, pra dentro, pra fora.
Me confronto sabendo algumas respostas e outras não, na tentativa de me preparar para algumas armas da guerra civil de dentro de mim. Me toquei, senti os macios pelos pretos de meu peito cor de âmbar enferrujada e lembrei dos olhos de meu tato e a língua de minha pele. Sinto tudo, tudo mesmo, não me orgulho de ser cataclismo de afetos humanos, mas, não me envergonho e gosto. Sei que sinto medo, tenho tido medo de viver e minha pele é que me traduz isso. Tem sido tempos difíceis aos brasileiros latino-americanos. Esse ano é uma barbárie. Tudo é muito. Tenho tido medo deles e medos meus. Estou cansado do medo, quero dançar com a coragem. Me do novo, medo das relações, medo das mulheres, medo do sexo, medo do amor, medo da vergonha, medo de envelhecer, medo dos encontros, medo das falas, medo dos cachorros das ruas e das casas, medo das dores, medo do futuro, medo do tempo, mas veja: O medo não é antônimo de desejo e pode ter certeza que esse desejo é imbuído de vontade e potência, sou uma explosão de fogos, só estou meio quebrado, eu acho.
Preciso, urgentemente, me desentupir, preciso abrir os braços. Estou preso a algo que não sei o que é. Me cheira a passado, cigarro e maconha. Sinto fios enrolados em mim que dificulta a andança e, meu filho, eu quero a andança. Minha coluna range mas meus pés estão sedentos de mundo.
Longe de ser sobre desistência, a essa altura do campeonato é muito démodé, eu quero essa coisa chamada vida dos rios até o mar, até o talo, enfiar os dedos tão fundo dentro dela que não será possível distinguir o que é que sou eu e o que é que é a vida. Mas tudo bem, sejamos francos também, eu preciso voltar a terapia, é preciso duma dose de concretude na poesia, se não, ela voa longe.
As comportas de minhas represas tem de se abrir, tem de se arreganhar. Como sei que um pássaro voa, sei que tenho lágrimas magoadas, engasgadas, antigas, entranhadas em meus olhos, quero chorá-las ou, como vapor, que se arrefeçam em meio as minhas brisas; meu corpo cansou de ser um museu de remorsos, mágoas, rancores, cicatrizes e entraves, acho que tenho maturidade o bastante pra me atualizar, quem sabe até entender uma coisa ou outra de mim. Há sentimentos semeados em solo já apodrecido que não faz o menor sentido cultivar. Talvez seja isso que os mais velhos dizem sobre perdão. Não sei perdoar o que ou quem, os afetos se aglutinam e se tornam amalgamas sem rosto, só atmosfera, mas, sei que é sobre mim. Não compreendo a honra no perdão, todavia, hoje sou mais sensível que ontem apesar dos remendos, portanto, ouço com outros ouvidos. Penso, assim como hoje penso sobre filhos, amor pra vida inteira, casas com árvore e plantas e dinheiro e saúde. Nunca achei que pensaria e penso. A vida é sem critério.
Desejo o gozo, desejo gozar como nunca desejei. Quero atravessar meu corpo n’outros corpos sem bater, só ventania. Transar e transar bem, pois, transar é magia. O alvará de quase todas as coisas, talvez é assim que cheire a liberdade. Preciso me desentupir, me dessufocar, pra viver o circo que é criar encaixes sem que o nervosismo me devore, sem que traumas entoem canto, sem que o ridículo me barre e eu o atravesse, nu, e ouça aplausos, tais aplausos que são ofegâncias em minha cabeça e que tremula meu corpo. Há uma delícia no porquê viver.
A falta do básico me fez querer ter mais que o necessário, hei eu de existir sempre desejando a mim mesmo, a cada dia mais ainda que nos tropeços previstos no asfalto esburacado, nas decepções possíveis, nas vergonhas das entranhas ou na desonestidade das lembranças; que eu queime, que eu seja o fogo que me aquece, me ilumina e me protege, pois, a brasa é só memória que o fogo esteve ali.
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