[Texto escrito originalmente em 2015.]
A apatia tem na etimologia de si a seguinte explicação:
APÀTICO: vem do Grego apátheia, “insensibilidade ao sofrimento ou ao sentir de modo geral”, de a-, “sem”, mais pathos, “capacidade de sentir”
Em que olhamos ao redor, não só ao redor que seja a nossa volta em uma ciranda de 360º graus mas ao redor que expanda até os horizontes, é visto que os olhos são agora pesados, não que não fossem antes, mas agora demonstram tal força, olha-se demais o chão, a tela do celular, os ladrilhos das calçadas e só um pouco, bem pouco diante das faces das pessoas, não dos olhos, das faces. Os olhos pesam demais.
O filme Se7en: Os sete crimes capitais, de 1995, dirigido por um dos mais interessantes diretores contemporâneos, David Fincher, estrelado por Brad Pitt como o humano Detetive Mills, a razão estrelada por Morgan Freeman como Detetive Somersat, Gwyneth Paltrow como a claridão sendo Tracy e por fim, a inveja e condenação do mundo, John Doe, interpretado por Kevin Spacey, demonstra a tal apatia humana e tornada mundana fazendo uma interlocução com a obra prima literária de Dante Alighieri “A divina comédia” em suas entrelinhas — por mais que quando visto torna-se escancarado — mostrando não mais o caminho que trilha o inferno mas sim o inferno em si, a cidade de nome nunca citada — mas que escancara ser Nova York também — tratando de duas visões do inferno, a cidade que nunca para de chover sendo a localidade física em concreto do mesmo e a trilha do inferno subjetivo, o inferno dentro de nós.
Em meio a um caso bizarro de uma série de assassinatos associados aos sete pecados capitais, sendo esses, gula, cobiça, preguiça, soberba, luxúria, inveja e ira, Somersat, um detetive totalmente cansado e também anestesiado forçadamente pelo seu meio acaba por ser juntado a Mills, um detetive que é novo, impulsivo e esperançoso em uma caça de sete dias a esse serial killer.
O caso serve como véu a toda a estrutura que o filme em seu todo quer passar, tendo como tema principal não uma busca a um matador que acha ter sido escolhido por deus mas sim a apatia em que o ser humano acabou-se imergido, a falta de um olhar maior ao outro ser humano, a insignificância advinda do mesmo, o medo de se importar, medo que se tornou apático e não aquele que enrijece o corpo, a anestesia de achar normal, a docilização dos corpos da qual Foucault alertava.
No filme fica tão evidente por mais que a própria cidade passe isso com sua chuva que nunca consegue lavar o inferno e a fumaça que paira sobre as cenas, quando o personagem de Kevin Spacey depois de dois atos de filme se apresenta enfim como tal, em que no único dia que não chove mostrados no filme — em forma irônica — desce de um táxi, com uma camisa branca ensanguentada, corpo também ensanguentado, de ataduras nos dedos manchados, adentra a delegacia que está cheia e é grande, seguindo ambos os detetives que se direcionavam ao interior de tal, chamando em voz baixa, chamando então uma segunda vez e então um clamor do mais alto da sua voz para que só então seja notado em um desespero gigante. Aquele demônio que vai aos céus tem de gritar para ser visto.
A alusão ao inferno mostra-se nos personagens, mas nas cores também, o quão o filme se mostra cinzento nas ruas, cinza que lembra a própria apatia e quando em ambientes fechados, como ele vai ao decorrer da obra a fotografia passando do amarelado-alaranjado para o vermelho a cada caso, a cada cena demonstrada. A chegada dos detetives a porta do apartamento de John Doe demonstra isso, a porta de cor vermelha vívida e consequentemente uma frase de Somersat, nos últimos atos do filme em que diz, parafraseio: “Meio que ele (John Doe) fosse o diabo em pessoa, a própria entidade diabo, nada mudaria.” Tudo continuaria, o inferno não é do diabo, o inferno é aqui, como diria Sartre: O inferno somos nós. O inferno somos nós. Em a “Divina Comédia”, os personagens são personificações, sendo esses o próprio Dante (Mills) como o homem, Virgílio (Somersat) como a razão e Beatriz (Tracy) como a fé. Tracy é mostrada como a fé de Mills nesse quesito, em que visa a mudança para família, mudança no caso para melhor, podendo ser então junto a solidão sendo subtramas excepcionais que também poderiam se mostrar a personificação de tais. A fé, Tracy, mostra-se no fim algo extremamente pessimista, pois, se assim vista, como a fé, ao final do filme, como ato impressionantemente perverso do vilão do filme, acaba morta, não só morta, com a cabeça decepada em uma caixa de papelão. Estaria então, a fé, morta? Se não a fé, o humano (Mills) termina um morto-vivo, mais morto — em apatia — que vivo.
E nas últimas palavras do filme, em uma narração em off com a voz de Morgan Freeman recita o famoso escritor Ernest Hemingway em um tom podendo ser esperançoso como também podendo ser irônico, dependendo do interprete a seguinte frase: “O mundo é um bom lugar e vale a pena lutar por ele” complementando então Somersat “Eu concordo com a segunda parte”.
O mundo, segundo a visão passada no filme, não é um bom lugar a tempos, já fora, mas não é mais mas que vale a pena lutar por ele, dito por um personagem cansado, pessimista, anestesiado