A poesia de Susano Correia.
Em conversas diversas que já tive com um amigo específico, diante do afeto que há com as artes, surgia a pretensão de tentar dizer o que…
Em conversas diversas que já tive com um amigo específico, diante do afeto que há com as artes, surgia a pretensão de tentar dizer o que era a poesia. Poesia que é inefável, não cabe nas palavras, na linguagem, é por ser e justamente por ser deixa-nos apenas os afetos. Tendo a noção dessa impossibilidade de definição, criávamos várias, a cada dia que isso surgia, algo era. Quem sabe não chegava-se assim a maiores aproximações, não? Mas o sentimento da poesia é algo tão epidérmico, tão sentido, quando o sinto só o reconheço assim, sem similaridades afetuosas, ou é ou não é.
Uma dessas definições surgidas foi sobre poetas — o que não necessariamente, tem ligação com a poesia em si, principalmente com aquela clássica, escrita, estrofeada e versada — foi a denominar esses como tradutores.
Tradutores de uma linguagem que consegue transpassar a própria linguagem, que conseguem ao menos tocar nisso que é a poesia e então explicar, identificar, tentar descrever, sentir, soprar alguma coisa que nos deixe mais perto disso, tornando o longínquo um pouco mais perto e esperançoso. Poesia ao meu ver que também são fiapos de algum tipo bizarro de esperança.
E sinto isso com muita força quando olho as pinturas do sulista Susano Correia.
Se você espera um texto biográfico sobre o artista, deixo aqui tua frustração. Esse texto nada mais é do que uma tentativa de sorriso após compreender um pouquinho mais sobre meus sentimentos diante das pinturas.
O homem que sempre vive nas telas pálidas expressa um tipo de unidade tão grande sobre o humano. Humanos de feições pesadas e quase sempre desesperadamente condescendentes, olhos fundos, cerrados, riscados. A cabeça quase sempre oval, com transmutações sempre acontecendo em seus crânios, de corpos esguios e famintos, magros. Boquiabertos ou bobos. Dedos longos e músculos flácidos, onde também mostram que são habitados por vários de si, de onde nascem flores, abrem cabeças, transformam as faces, seguram olhos, se martelam e quebram. São homens embruxados. Metamorfoseados, tristes, estranhos e ainda assim, nunca foi tão fácil — com todas as ramificações da palavra — identificar-se como humano diante de uma obra de arte, ligar com a feição que a metáfora vinda das ilustrações é próxima da realidade que duvida-se se somos isso ou aquilo.
Suas pinturas postadas nas redes sociais e também agora em seus livros sempre vem acompanhadas de um título que denota um poder e, tenho uma certeza de sua tradução muito próxima, que contempla ainda mais o sentimento, de tocar o afeto e aproximar-se quase de um toque no âmago, um toque na própria existência e na angústia de existir. Numa frase que escorre uma ilustração, se assemelhando ainda mais a uma estrutura poética que me tira deslumbre e isso me gera um toque de absurdo ao pensar que tentamos — e tudo bem — acoplar o que é sentido em únicas palavra amplas, ainda que seja necessário.
Os homens ilustrados me soam como representações dos humanos que queríamos que não fossemos mas somos, num espelho do próprio artista, de mim, de você e de inúmeros. Ilustrar um espelho parece fabulesco e é, todavia, é como sinto o que Susano faz, de um jeito que chega a coçar alguma possível dor, ainda que abraçada pelos esquisitos dedos e braços dos homens postos ali.
Do que conheci nesses últimos tempos, Susano Correia se tornou, para mim, um dos maiores poetas contemporâneos brasileiros vivos até agora.