É mole, bicho?: Umas reflexões mais profundas sobre masculinidade, broxar e gozar.
Broxar é foda, né não?
Broxar é foda, né não?
É foda porquê o símbolo é que faz ser foda. É que faz quebrar.
Agora é eloquente que o projeto homem-cis-hetero tá todo quebrado, deu um tanto quanto errado. Esse projeto que tem como responsáveis os mesmos. É isso, não tem pra onde correr da culpa. Esse homem-projetado pegou a comida de todo mundo, comeu tudo e é consequência que engasgue, passe mal, quem sabe até morra. Donos desse projeto, os cis, europeus, brancos e ricos, é de se deixar saturado quem é o alvo principal.
Nesse engasgo, é perceptível, depois de um tempo, que algumas coisas meio que já morreram ou estão doendo demais. Perceber o quanto o homem, nessa ganância bizarramente humana pelo poder e a construção das suas bases sociais, se quebra e quebra todos os outros que não são homens. A gente meio que fode com tudo e todos, na real. O tal poder, o tal pau, o tal falo. Quando se para pra pensar detalhadamente, nas arestas, o reflexo dessa criação do homem. Criação, percebe-se a toxicidade dessa masculinidade e esse absurdismo de obsessividade em ser gigante. Desde a repressão de afetos, à violência como resposta primária, a histeria coletiva de um país que elege um neofascista que, nitidamente, troca o pau pela arma. “Se estou perdendo o controle do outro, vou apagar o outro”. A arma, atualmente, é um bom retrato do falo, é um péssimo retrato do pau.
Vê-se que isso tudo é calcado num medo e numa fragilidade também absurda. Percebe-se agora que esse ente-homem é um pequeno-ser mal-fantasiado de gigante e que já tá/fez muita merda.
Como eu disse, a simbologia é quase hiperrealística. O medo absurdo de broxar e o próprio broxar fazem esse homem o que é, basicamente.
Agora, individualizando e intimidando, lembro da primeira vez que broxei. Eu tinha 20 anos, eu acho (tenho 25 agora). Lembro de perceber e sair correndo pro banheiro falando “Pera, pera, eu vou pegar a camisinha na sala” (?), não tinha camisinha na sala. Entrei pro banheiro, tranquei a porta, acendi a luz, apoiei na pia e fiquei me olhando no espelho completamente confuso e rindo de desespero, naquele pensamento de “Não… Não, num é possível”, sabe? Era uma alternância entre arregalar os olhos com a expressão congelada ou rir de desespero. Devo ter ficado uns dez minutos, talvez. Joguei água no rosto, respirei e voltei. Minha cabeça tinha ido a mil lugares. Voltei, com mais medo, constrangimento e num teatro de “Pô, tá tudo bem, tô firmão aqui”, tentei e percebi que tinha acabado já a um tempo e daí é um processo de criar coragem e quase como se tivesse pra vomitar uns espinhos pra conseguir dizer: “…Pô, num vai rolar…”, naquele tatibitate, dizendo entre meias palavras. “Oi?”, “Não, num vai rolar”, “Quê? Que que num vai rolar?”, “Num tá indo”, “Vem cá”, “…Num vai rola…” ad eternum. Hoje eu lembro e parece que eu tinha perdido meu brinquedo preferido, brinquedo esse que mais me dá poder sendo homem. Enfim, depois dessa noite complexa, eu lembro no outro dia como eu me sentia. Eu parecia estar numa ressaca bizarra. Lembro que pesava quilos e quilos, eu quase arrastava na rua indo pra universidade. Comprei um maço de cigarro, passei na frente do prédio e não entrei. Fui pra uma praça, uma hora da tarde, todo fudido, pra ficar me interrogando mentalmente, fisicamente, existencialmente. Pressionando até o talo. Foi uma cena dramática demais. Mesmo. Mas o pior disso é que eu me sentia triste. Muito triste. Bizarramente triste e… Hoje eu penso o quão isso é cruel nesse projeto geral e reducionista de ser-homem.
Isso durou um tanto que broxei mais vezes, ô se broxei, broxei por medo de broxar, broxei por medo de gozar também. A noção da inteligência do corpo é absurda. Pô, levei isso pra terapia. É literalmente um trauma e justamente por ser esse trauma, explicita o quão corrosivo e enferrujado está esse ser-homem. enfim. Nesse processo de cotidianamente tentar compreender e desvencilhar dessa masculinidade tóxica, conseguindo ter a noção de um horizonte distinto do que é imposto, é absurdamente cruel e como essa armadura poderosa do ser-homem é um véu de um ser fragilizado que nem aguenta mais manter essa performance. Os números de suicídios, homicídios e feminicídios não me deixam mentir. A perda vagarosa, porém forte, desse lugar de poder não me deixa mentir que é um projeto que é velho, não cabe nos tempos. Deu uma estragada. Os caras precisam entender que ninguém aguenta mais. A maioria em volta entendeu. Tá todo mundo fodido por causa disso.
A tentativa de ter poder sobre o brinquedo fez com que o brinquedo tivesse poder sobre um ser inteiro. O homem tem o falo que tem o homem que tem o falo que tem o homem (…) Tão intensamente que numa ação sexual, reduz o a eloquência do que é o corpo para o pau e se aquele órgão não levantar essa existência inteira, quebra, como uma porcelana meio bonita que cai e quebra fácil. A redução do corpo ao pau é uma completa loucura, faz-se esquecer que a pele é o maior órgão sexual físico que se pode ter. Reduz toda a espetacularização que poder ser o sexo. Ou o conforto. Um ir e vir que beira o bobo. Penetração é gostoso, perfuração é bizarro. Reduz o gozo a porra, reduz a pele a pau, reduz a proximidade a vazio. Refletindo é meio óbvio que homem demora aprender ou não sabe fazer mulher gozar, porquê homem não sabe gozar ou não sabe se sabe gozar. Não me retiro desses parâmetros. A repressão apreendida por esse molde, dessa falta, aperta e sufoca a potência de desejos do ser, não só sexualmente, mas, existencialmente, de fato. Incrível pensar na sátira que parece quando esses tais detentores do poder estrutural ainda são e serão tão reduzidos assim. Tão incrivelmente pornográficos, egoístas e imaturos.
Implodiu e ninguém aguenta mais.
A discussão sobre masculinidades cresceu do último ano pra cá, isso é maravilhoso, todavia, há de se encaixar nas falas sobre masculinidade a palavra revolução. Revolução molar e molecular. Uma revolução da masculinidade e uma invenção de nova masculinidade, talvez que nem leve esse mesmo nome numa tentativa ferrenha de desinstitucionalizar o que é institucionalizado. Tomar pra si o que se é sendo homem, não o que é ser homem sendo o que é.
Uma revolução de potência.