Mano a Mano: A importância de se ouvir conversas com Mano Brown.
Todo mundo sabe que o Mano Brown é brabo demais, né? Básico.
Todo mundo sabe que o Mano Brown é brabo demais, né? Básico.
Quero ir um pouco pra além disso.
Em 2021 chegou a todos nós o famigerado podcast exclusivo do Spotify, “Mano a Mano”, apresentado por ninguém mais, ninguém menos, que Mano Brown, no papel de entrevistador. Vi pouca gente expressar sobre, mas, quando aconteceu o anúncio, pelo menos a mim, me pegou de surpresa pois, está dentro do cerne da história do Racionais MC’s, principalmente nos anos 90/00, sempre uma negação de entrevista, da comunicação midiática, pelo menos a mainstream, afinal, se teve algo que Racionais MC’s fez foi comunicar, chuto que isso se torna mais — não muito — maleável com o passar dos anos e com entrevistas mais individuais, raramente como grupo. Enfim, posto o contexto do porquê de minha surpresa: De repente, Mano Brown coordena um programa de entrevistas que consegue transmitir todo o seu modus de vida, de ética, de estética, de gente, isso tudo de maneira primorosa, não à toa, no ano de seu lançamento ganhou inúmeros prêmios e foi literalmente aclamado nessa nova e importante onda da mídia podcast. Resumindo em miúdos: Brown é um puta entrevistador.
Brown aparece expressamente quando a transfiguração do podcast junto a comunicação e ao jornalismo estão explodindo. É fácil e fatídico que os podcasts, em teor contemporâneo, são indispensáveis para a comunicação para com o público atualmente.
E, porra, que bom, que ótimo, que importante pra caralho que possamos ouvir Mano Brown dessa forma diferente da música, pois, a adição e a diferença aqui são a glória.
O formato de podcast que está mais em voga agora é o formato que — infelizmente — advém de Joe Rogan e que, aqui no Brasil, se popularizou se tornou padrão — também infelizmente — com o Flow Podcast, em que se trata de entrevistas em tons bem mais informais, todavia, ainda informativos, onde a literal conversa aconchega melhor com o jornalismo, com isso, portanto, o trunfo — e o timing — é por ter este outro viés de comunicação jornalística, se aproxima muito mais não só de uma conversa, mas, de um diálogo, onde não se torna um pergunta-resposta, mas, sim, pergunta e expansão dessa pergunta e quem está entrevistando se torna componente tão importante quanto quem é entrevistade.
Ou seja, é muito menos sobre ouvir uma entrevista jornalística e, sim, ouvir uma conversa informativa e, puta que pariu, como é bom ouvir uma conversa de forma tão próxima com Mano Brown e outras figuras literalmente icônicas como Emicida, Djonga, Drauzio Varela, Glória Groove, entre outros e algumas vezes controversas, tipo, aquele zuado do Holiday.
Contextulizades estamos todos nós, portanto, convido o olhar a uma especificidade que para além dos quesitos já postos aqui, enxerguei pouco destaque nas percepções e reflexões gerais.
Mano Brown é literalmente uma lenda viva, parte do alicerce da cultura Hip-Hop no Brasil, no rap, na pungente reivindicação da negritude brasileira, artista preto revolucionário da cultura, arte e sociopolítica dessa terra torturada que leva o nome de Brasil. Homem preto da periferia, soldado da favela, estratégico, tem de uma vivência e escrevivência contada e cantada.
Portanto: Que sorte a nossa poder ouvir Mano Brown, muitas vezes nessas conversas, sendo vulnerável e só vulnerável.
Claro, obviamente que na carreira musical há também vulnerabilidades expostas— exemplo perfeito é a faixa “Jesus Chorou” do Racionais MCs — onde são expostas às dores, angústias, sofrimentos, trabalhos, injustiças e todos os assuntos que o rap aborda, entretanto, o rap sempre foi e será posturado no sentido de que as feridas são expostas para o sangue jorrar, é um movimento impetuoso de luta, faz parte de ter gênese do povo preto e pobre que luta pela sobrevivência e a vivência. Aqui, nesse caso em específico, Mano Brown não está em posição de guerra — apesar de ilustrar na minha cabeça que Brown jamais ou raramente sai cem por cento desta posição de guerra — está literalmente conversando, por exemplo quando ele diz que fica nervoso pra entrar no palco ou comentando sobre inseguranças que sente ou sentiu ou então contando animado sobre o que está estudando.
Bota fé na preciosidade disso?
O próprio Mano Brown cita sobre como por muito tempo a imagem pintada dele era de um homem xucro, burro, sem educação, claro, por absoluto e puro racismo e classismo e, bom, Brown é um homem preto, essa é a imagem pintada de maioria não só dos homens pretos, mas de todas as pessoas pretas, estereotipadas e reduzidas a convicções enraizadas num pensamento colonizado e, repito, racista. Asquerosamente racista.
A cultura Hip-Hop e o rap vindo como um movimento contra hegemônico é, portanto, movimento de defesa, claro, mas, definitivamente movimento de ataque, como já dito da postura de guerra, é necessária uma firmeza, o grito, a imposição daquele corpo político. Enquanto o rap é sobre paz, o rap é, também, sobre raiva. Os corpos que compoem essa cultura e essa forma de arte são símbolos incandescentes da cultura preta, do povo preto na totalidade, onde a comunicação, influência, reflexão, construção de subjetividade, construção de ego, de comunidade, de ética são diretamente tocados, numa via de mão dupla de comunicação e pertencimento ou acolhimento. É sobre luta. Necessária importância.
Mas, tão importante quanto, é perceber esse soldado sentar, de corpo não tensionado, e conversar com outro alguém sobre a vida, afetos e afetações, política, arte, cultura, rua e tantos outros assuntos demasiadamente humanos.
O homem preto é protegido por inúmeras armaduras que protegem, sim, mas, muitas vezes sufocam, além da pressão de ter de se provar, de ser perfeito, incansável, forte… A pressão contraditória de que para ser humano há de ser super-humano.
Quando um dos maiores símbolos do Hip-Hop brasileiro que em sua arte descreveu como, quando, porquê guerreou a vida inteira demonstra outra parte para além dessa é aliviante como soltar o ar que esteve preso durante muito tempo, de humanizar no sentido mais potente possível, também acolhe a gente, ainda que saibamos muito bem que jamais a postura de guerra deve ser esquecida.