A série de TEXTOS DE RECESSO, em que, pelo mês de janeiro inteiro - o mês mais ressacado dos meses - eu postarei textos meus que são de anos anteriores e que, à meu ver, valem a pena serem resgatados. Pode botar fé que são ótimos textos, tá?
Enfim, por toda o mês de janeiro, semana a semana, reeditarei tais textos e, como agora, eu tenho um público novo e, consequentemente, maior aqui na newsletter, acho válido reatualizar e apresentar expressões que já tive.
Caso me bata algo muito forte, um arremate de inspiração, eu postarei texto novo, caso não, só mês que vem.
Fé pra todes e boa leitura. Aproveitem.
Não lembro muito bem de quando fui fisgado pela famigerada menininha num infindável estudo na companhia de seu bichano. No canto inferior esquerdo escrito "AO VIVO", infinito também, e o chat rolando num flow absurdo (em quaisquer horas do dia) enquanto deslizam batidas calmas, taciturnas, confortáveis e esquecíveis. Às vezes com uma voz ou outra n’alguma mensagem que pode até ser valiosa, mas, ainda é efêmera.
Bom, me apaixonei logo e aquele sentimento de conforto sem, necessariamente, muito detalhamento se tornou parte importante do meu cotidiano. Depois, compreender de forma genuinamente orgânica que o lo-fi hip hop era pra ser efêmero mesmo, ainda que de forma contraditória, negritou sua importância pra mim.
Pensar no gênero, subgênero ou microgênero - chame como quiser chamar - musical é demasiadamente filosófico pra mim.
Quando destrinchado numa análise, o lo-fi hip hop representa uma leitura interessante da realidade atual, onde se compõe dessa realidade, usufruindo da própria paradoxalidade pra existir. É como se numa ilustração fosse dito: “Eu compreendo sua ansiedade e tento subverter isso em forma de arte calma que, por consequência, tenta te acalmar”.
O lo-fi é inevitavelmente atmosférico, isso que fascina. É um véu de música.
O efêmero é o cerne do lo-fi hip hop. O que é mais contemporâneo que a efemeridade?
As batidas e ambientação entram para preparar o ouvinte a fazer algo, ainda que esse algo seja nada.
É feito para ser segundo plano, não precisa do protagonismo e nem quer. Pode até ser, mas, não é uma necessidade.
O microgênero compreende o espírito dos tempos, o zeitgeist, pois, entende a ansiedade como presente, por isso, já é feita pra relax/study. Há um desenho por trás disso que acalenta. Bota gotas de nostalgia na brisa que há na mente. Quase tem aroma. A existência do lo-fi hip hop e de sua popularidade é um fruto maduro da contemporaneidade.
É consciente de si no sentido necessariamente midiático e nichado, dessa consciência há, portanto, o sentimento de conforto proporcionado por conseguir engatilhar o sentimento de nostalgia, afinal, nostalgia é exímia de angústia, é uma lembrança boa, a saudade é distinta da nostalgia, a saudade pode ser aguda, já a nostalgia é sentimento de “casa”; a atmosfera, pinta-se num cenário para viver uma cena, não necessariamente um filme todo. É leve. É momento. Por isso, playlists de lo-fi hip hop são mais conhecidas que os próprios DJs, beatmakers ou pessoas entediadas e criativas que criam a sonoridade. É um fenômeno que entende a própria liquidez e faz disso ferramenta triunfante, é uma coisa pra fazer outras coisas, inclusive, nada.
É algo preparatório e, preparar-se, é uma tentativa de aniquilação da ansiedade; a consciência de si próprio, onde compreende a realidade pós-moderna do millenials, do jovem, em que consegue contornar desde os quinze até os trinta anos ou mais, classe média-baixa, aquele que está preocupado com grana, mas, ainda consegue ter crises existenciais filosóficas, sempre preocupado, preocupado com o futuro, preocupado com o presente, preocupado com o passado, um estereótipo demasiadamente verdadeiro do que é ser jovem nesses tempos: inseguranças, pressões, limbo, mudanças, ansiedades cotidianas, cansaço, incompreensão, absurdismo da própria realidade (principalmente se for brasileiro), medo, tristeza, depressão, desejos, relações, aprendizado, desaprendizado, virtuosismo, ânimo, drama, romantismo, intensidade, primeiras vezes, prazer, desprazer, enfim.
Atentar-se a como é ser jovem na atualidade é agridoce, no mínimo.
É visível que há mais possibilidades do que se havia anos atrás, todavia, é visível quantas intempéries, obstáculos ou bloqueios foram desvendados, descobertos ou criados.
Dessa profundidade, me cativa a gênese do lo-fi hip hop, em que — talvez eu me repita, assim como o lo-fi hip hop — compreende essa ansiedade, supõe já a existência dessa angústia e nasce como algo pra além da expressividade como artista, vem como tentativa de calma ou calmante, ou ansiolítico. É uma mescla estranha e paradoxal, mas, funcional,
Um espaço entre a genuína inutilidade e a estranha utilidade.
O lo-fi hip hop te acalma e me acalma porquê antes mesmo de existir como mídia, pois, já entende que provavelmente você está afetado ou prestes a se afetar de um jeito que seja pouco ou muito angustiante.
Estranho pensar que um migrogênero musical já nasce com sua dosagem de ansiolítico.
clica aqui, ó, pra você se fazer no estilo menininha estudiosa do lo-fi: