2017, universidade, festinha rolando, começando as três horas da tarde sem ter hora pra acabar. Lembro que era uma festa pra comemorar faltarem 100 dias para a formatura - apesar de eu ter ficado meio ano a mais - e minha sala... Bom, minha sala é um caso a parte. Eramos muito catárticos, intensos, desejosos e confluentes e, quando digo todas essas características, eu digo como qualidades.
Bom, estava eu, obviamente bêbado, enebriado, bebendo desde as duas da tarde, fumando cigarro como uma Caipora, fumado maconha como quem se junta a natureza, até sintetizado alguns pensamentos, se é que me entende.
Lembro que foi uma festa extremamente divertida. Tinha uma sensação de libertação, pois, se aproximar da formatura, pra além da intensidade óbvia desse fenômeno, foi foda passar por paralisações, greves, falta de professores e afins. Tinha dia que era óbvio o sucateamento da educação e a guerra do estudante contra a política-institucional tirânica. Portanto, além de sermos uma sala muito unida e expressiva, tinha essa sensação, individualmente quanto coletivamente, de desengasgo, alívio mesmo de sentir o processo, de fato, acontecendo.
Juntando toda essa poesia dita aí, também eramos típicos universitários: bêbados, drogados, filósofos, irresponsáveis e libidinosos. Bom demais.
Após viver a festa a tarde, se aproxima a noite, sol se pondo, do laranja pro azulado, todo mundo já com aquela cara caricata de falta de sobriedade, alguns mais, outros mais ainda. Imagina, todo mundo bebendo, dançando, alucinando desde o começo da tarde, uma hora o corpo pede arrego e, um dos sinais mais óbvios é a fome.
Era o momento da famigerada larica.
A galera que compunha a festa, que eram lindas pessoas divertidas, interessantes, cheias de vontade de viver, agora involucionam e se tornam uma manada de animais famintos.
Como éramos todos universitários meio fodidos, a parte da comida era sempre, sempre secundária e simplória. O que fica mais barato? Um dos braços de Deus que é a grandiosa criação do ser humano chamada cachorro-quente. E, claro, nós iríamos montar o cachorro-quente. Aqueles bêbados desgraçados completamente fora da realidade com uma panela gigante de molho de tomate, uma latona de milho, salsicha pra caralho, chuva de batata palha, ketchup, maionese.
Foi um Deus nos acuda da porra.
Tenho em minha cabeça uma imagem que lembro e/ou imagino cinematograficamente: na minha frente havia a bancada da cozinha da varanda, umas três quatro pessoas fazendo cachorro-quente, de um lado uma galera comendo em completo silêncio devorando a comida, do outro lado uma galera jogada pro chão pela loucura, atrás uma galera discutindo, música de fundo rolando.
Bagulho foi caos. Foi ótimo.
Então, é minha vez, finalmente, eu vou matar aquilo que tá me matando. Sigo todo andandinho daquele jeito mole, sorriso bobo no rosto, farol baixo e monto um cachorro-quente que mais parecia um vulcão em erupção. Coloquei tudo que tinha direito e de forma brutal e, então, volto, do mesmo jeito, vou para um lado da piscina, onde parte de meus amigos estavam já comendo seus cachorros-quentes em absoluto e completo silêncio. Me sento e dou a primeira mordida.
Sei que se eu não transcendi ao nirvana naquele momento, eu não transcendo mais. Tenho absoluta certeza.
Depois de, mais ou menos, um terço do cachorro-quente comido, uma lambança já tinha virado, aquele transê de molhos, batata palha e milho rodeando o corpo, coisa na mão, aquela festa do alimento. Num lapso de consciência pra além do Mundo-Cachorro-Quente, levanto minha cabeça e olho para o lado e vejo duas lindas mulheres, de estatura média, cabelos lisos e longos, com o olho pequenino e com corpos belíssimos (famigerado: gostosas), uma dela sendo a anfitriã da casa onde a festa acontecia, minha amiga que carrega o incrível vulgo de Foda (justamente porque ela é foda mesmo) e sua amiga, que não era da nossa sala, era uma convidada dela, também bem bonita, branca, loira, uma vibe meio alternativa. Lembro que tinha conversado um pouco com ela sobre Boogarins, acho que ela era de Goiânia. Enfim.
As duas, de braços dados, chegaram essas lindas mulheres e proferiram a seguinte frase:
- Alguém quer beijar?
Assim, direto e reto, como quem pergunta a visita se ela quer um copo d'água.
Nós, da minha roda de amigos, em completo transe pela bebura entorpecida e pelo corpo de Cristo imposto noa cachorro-quente, olhamos para elas, olhamos uns entre os outros, olhamos novamente pra elas e, alguns de nós respondemos "Pô, tô suave", eu não fui um desses, eu continuei olhando fixamente para as duas com o olhar completamente perdido, em outro mundo, sem nenhuma atenção no mundo real devido a tudo que estava acontecendo nos meus sentidos e, quando voltei a mim, lembro exatamente das duas ajoelhadas do meu lado vindo com os dois rostos na minha direção de uma forma quase fabulosa.
Nesse momento, faziam exatamente alguns segundos que eu tinha acabado de dar uma mordida. As bocas tocaram minha boca. Tinha um pedaço de salsicha, até que grande, no fundo da minha boca, começando a ser triturado. Uma língua entra na minha boca. Tinha pão na minha boca. Outra língua entra na minha boca. Nesse momento eu não me esqueço de pensar nitidamente comigo mesmo:
"Bom... então vamo lá."
Minha mente fez a mágica de se dividir em três partes: 1) Engolir o que eu estava comendo 2) Beijar 3) Se concentrar em não rir daquilo que estava acontecendo.
No âmbito da comida, eu tentava de alguma forma, disfarçadamente (?) engolir o que estava na minha boca. No âmbito das línguas, eu tentava beijar bem, claro, portanto, cuidadoso e com o movimento da língua e na minha mente era um "KKKKKKK o que está acontecendo???"
Aquilo estava acontecendo e aconteceu, de algum jeito bizarro, simplesmente aconteceu e, só pra expor minha habilidade, eu consegui engolir o que estava na minha boca, mas, quando o beijo terminou, lembro de conseguir sentir alguns pedaços pequenos ainda, o que, claro, foi tenso.
Mas, só agora. Sim, só agora. Vem a melhor parte.
O beijo acabou, os rostos se afastaram, nós três nos olhávamos, tenho certeza que ninguém sabia o que sentir ali, eu estava com uma cara de idiota, obviamente e, então, o pequeno silêncio foi quebrado pela mina de Goiânia que disse a seguinte frase:
- Bom, hahah, aproveitei e jantei.
...
...
...
Não, espera um pouco. Vou dizer de novo:
Ela me olhou no fundo dos olhos, olhou pra Foda, olhou pra mim de novo, sorriu meio risadinha divertida e disse:
- Bom. Hahah. Aproveitei. E. Jantei.
...
...
...
Eu jamais. Jamais. Esquecerei essa frase.
Elas saíram, foram pra outro lugar e eu estava atônito, extasiado, olhando para o nada, pensando nitidamente, de forma limpa, comigo mesmo: Acabou de acontecer o pior beijo da minha vida. Que incrível.
Eu não tinha nada mais a fazer, simplesmente estava feliz por estar vivo e poder viver um absurdo desse.
Voltei a comer, enquanto balançava a cabeça incrédulo e ria, como quem desacredita.
...
...
...
"Bom que aproveitei e jantei" foi foda.
O pior beijo da minha vida.
Bem, ela não mentiu. hahaha
KKKKKKKKKK VEI!!!