Primeiro, pra quem não sabe eu tenho um livro publicado que tá aqui, ó: link do livro do matheuzin.
Então, esse livro começa a nascer - sem saber que ou se nasceria - no auge da pandemia, meados de abril, maio de 2020, aquela época que tava todo mundo completamente perdido, aterrorizado, paranoico, solitário e enlouquecido no pior do sentidos possíveis. Numa dessas buscas do que fazer com o isolamento social eu me propus a escrever um diário de fluxos de consciência e, bom, diário, como a própria palavra diz, é dia-a-dia e, claro, falhei em escrever todos os dias - não sirvo pra fazer nada todos os dias como dá pra ver na periodicidade dessa própria newsletter, nem semana a semana eu tô conseguindo, porra - mas, ao abandonar o diário, foquei em passar digitalizar os textos, revisar, editar, ver como é que publicaria, enfim, etc. e, nesse corre todo, eu simplesmente esqueci de colocar os três primeiros textos que deram o estalo do livro e, na versão final, eles simplesmente não foram e eu gosto bastante deles, portanto, colocarei aqui, pois, acho que não valem só pro contexto da pandemia, pelo contrário, portanto, aproveitem. Tenho conseguido me definir em pequenos três humores nessa quarentena: “O apático melancólico”, “hoje até que tá tudo ok” e “a beira da loucura”. Essas conjunções de palavras conseguiram contemplar um pouco dos meus afetos cotidianos, quem sabe prendendo os afetos as palavras eu consiga controlar um pouco melhor. Acho que não, mas, talvez.
29/05. Fluxos de consciência dentro do ano de 2020. O ano da pandemia.
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Tenho conseguido me definir em pequenos três humores: “O apático melancólico”, “hoje até que tá tudo ok” e “a beira da loucura”. Essas conjunções de palavras conseguiram contemplar um pouco dos meus afetos cotidianos.
Quem sabe prendendo os afetos nas palavras eu consiga controlar um pouco melhor.
Acho que não, mas, talvez.
Ontem fora um dia de completa melancolia e completa apatia, eu estava farto, frustrado, desanimado e silencioso. Meu silêncio não era o bastante, eu queria o silêncio do mundo inteiro, do universo inteiro, de tudo; sentimento de não querer, nem por um segundo, ouvir alguma coisa, e uso ouvir no sentido mais amplo possível. Não queria absorver nada porquê também não queria dar nada, nem um pouco.
Alguns carros passavam na rua, alguns pássaros cantavam na janela aqui do quarto, vizinhos faziam barulho e eu desesperado pelo silêncio. Os diálogos de qualquer filme ou série que eu colocava entravam como zumbidos de mosquitos irritantes. A música… Ora, a música, tive de fazer desfeita pra com ela, ela que tem sido minha única companheira nesses últimos tempos. Acordo com duas ou três músicas na cabeça que provavelmente vão acompanhar todo o decorrer do meu dia.
Não consegui ir ao mercado e a noite jantei pães de forma com chá-mate.
Ontem acordei com nostalgia do silêncio de todo esse barulho abafado dentro de casa. Sem a rua o som não se prolifera e pode sufocar.
Minhas palavras tinham sufocado ontem, o que é foda, pois, sou psicólogo e sem as palavras, mesmo que com o pedágio das telas digitais, ainda são meu instrumento de trabalho. Me esforcei até não conseguir e deixei o dia de lado, a internet também estava péssima.
Dormi, depois de vagar pelo dia, pensando em pra que acordar.
Há de se desconfigurar esse entendimento que a vontade de dúvida ou vontade de desaparecimento são sinônimos de morte, me perguntava no mais genuíno e linear caminho da própria pergunta. “Tá, pra que?”. Não num sentido mordaz ou mórbido. Vontade de desaparecer não é vontade de morrer. Morrer é démodé.
Acordei, sem saber pra que.
A primeira coisa que tenho feito nas manhãs tem sido fazer um chá ou um café — o café mais pelo cheiro que pelo gosto, café me dá vontade de conversar — depois, renegando o cigarro, eu acendo o cigarro. Vivo na constante vontade de parar. De verdade dessa vez. Sento a beira da cama, esgarço a janela e o sol me toma, eu, em sinal de respeito, o tomo.
É gostoso, é mais fácil rir nessa hora do dia. Hoje eu ri.
Tenho pensado muito sobre histórias, esse tem sido o tutano.
Contar, viver, brincar, passar, atravessar, caminhar, rodar, gritar, sussurrar histórias.
Antigamente eu pensava ser o sentido da vida contar histórias, atualmente também penso.
Talvez, eu consiga resgatar o sentido de vida.
Sentido esse que eu quero por, não que a vida precisa e tá tudo bem ela não precisar.
Não é sobre uma crise existencial, é sobre ornamento existencial.
Arrastei a manhã, pois, desaprendi a caminhar, todos os dias são um arrasto, ora contemporâneo, ora cansado, pesado, mas passei pelo dia. À tarde peguei a mão de uma menina fictícia pra ela me ensinar a caminhar de novo. Todo dia é um aprendizado pra que não se enjoe nesse navegar.
Maria Carmem é o nome dela, personagem protagonista do livro “Se deus me chamar não vou” de Mariana Salomão Carrara e enquanto ela me contava do pedaço de vida dela de onze anos de idade, ela perguntava pra mim e pra ela mesma se o vagalume piscava de dor. Isso me ficou na cabeça. Era tão singelo o livro que eu sorri algumas vezes e eu não ando ligando muito pros números que contam alguma coisa, talvez pela falta de movimento, o movimento tem sido meu marcador embaçado de tempo.
Quando corto as unhas com o dente por ter um fio melhor do que um trin, é sinal que já se passou um mês ou quase isso; quando o açúcar acaba, quando esqueço de tomar sol, quando estou mais cansado por ter trabalho muitos dias seguidos, quando me sinto cheio de nada, quando me sinto cheio de pouco e isso alegra dentro do contexto que me encontro.
São vários marcadores e esqueço, inclusive, que minha memória tem sido um tanto negligenciada, não lembro de lembrar das coisas agora, sei que quando acabar essa lembrança vai ser uma lembrança enjoada já, gosto que cansa a língua.
Volto a ler o livro e devo terminar rápido, os livros tem me segurado pelas mãos ultimamente e, nesse livro que comecei a ler, de novo me vem outra frase — aliás, continuação da já citada — que Maria Carmem diz que se ela piscasse de dor, ela seria um escândalo. Fiquei imaginando se as pessoas piscassem, o show de luz que ia ser…