Esse texto é uma catarse.
Hoje, agora, enquanto escrevo esse texto, completam onze dias de governo e o tanto de merda que já aconteceu é inacreditável e absurdo. Absurdo talvez seja a palavra que mais caiba em toda essa porra. Enfim…
Em outubro, quando a cachoeira de merda estava pra desabar, o selo Setor Proibido, lançou um cypher com nove rappers capixabas, em que, sem qualquer tipo de delicadeza, apontava o alvo e o alvo é o que nós temos como atual presidente da república, esse ser que exala um fétido aroma de tudo quanto é símbolo arcaico e incabível. Primavera fascista é o nome da música e lembro que naqueles meses houve um boom em relação a ela, principalmente porquê ela foi retirada do youtube depois de uma enxurrada da manada imbecil dos seus famigerados minions que encheram de denúncias e dislikes e, como o youtube, hoje em dia, anda com problemas complexos em relação as suas checagens, acabou por remover. Isso já é extremamente preocupante e covarde. Apesar disso, o vídeo da música acabou por voltar para o youtube. Clipe esse que coloca os rappers falando frente a frente com um rapaz branco e bem vestido, sem face, que simboliza não só o atual presidente como também esse público nojento que cá está pra nós. Sim, eu tenho noção que nem todo mundo que votou no mesmo é fascista, mas, todo fascista votou nele e, sinceramente, estou sem tempo, irmão, para esses tipos de especificidades, pelo menos por agora.
No decorrer da sua campanha e nessas quase duas semanas de governo, foi visto que esse incapacitado mental para o cargo não tinha um discurso sensacionalista, ele é a personificação do sensacionalismo. O suprassumo do branco-hetero-cristão-rico que no decorrer dessas últimas décadas, tem se mostrado um dos maiores — se não o maior — câncer que pode ter havido na história brasileira e do mundo. O montante da classe burguesa privilegiada que, além das características já citadas, pode-se adicionar as características de mentirosa, imoral e burra. Ainda que hajam estratégias cirúrgicas de discurso — vide o degenerado Olavo de Carvalho e seus ridículos discípulos — não consigo conceber como uma inteligência comum, é um tipo de inteligência sádica e anuviada. Uma completa desgraça de proporções, literalmente, continentais.
Em meio a música, há partes de discursos completamente absurdos e reais, de não muito tempo atrás, do ano passado no máximo e o mais incrível… Na verdade, eu nem sei o que é mais incrivelmente absurdo… De qualquer forma, o que me espanta e dói é que a fala consegue atravessar absolutamente todas as minorias me vem à cabeça. Pretos, pobres, LGBTQ+ (apesar de estarem numa sigla, são complexos de sujeitos com necessidades únicas e, portanto, características únicas. Bissexuais, lésbicas, homens gays, transsexuais, travestis, etc. então, não cabe só na sigla, são muitos grupos), mulheres, quilombolas e todo o massacre que está acontecendo com os índígenas. O tiro dado pela língua venenosa e sem noção do presidente, de fato, atravessa a pele de todas essas minorias, aliás, o termo minoria também não cabe, são pessoas antes de minorias, pela exacerbação da palavra, as vezes os termos despersonalizam o básico que é: Seres humanos.
Não são ofensas. Esqueça essa porra de palavra, “ofensa”. Isso tudo se trata de uma violência completa.
Digo a algum tempo, em percepções de como tudo anda desde 2018, principalmente, que a política de não-violência, esse contrato social invisível caiu. Caiu completamente por terra. Sempre fora um contrato frágil e rasgado diante de como a sociedade se desenvolveu, porém, agora, está desintegrado, apenas com fiapos de lembretes e coloco como marco concreto a morte de Marielle Franco (Sempre Marielle Presente!), como já havia dito em um outro texto meu. Não há mais não-violência, a violência está desmascarada a muito tempo e parece que, principalmente a esquerda, não percebeu que a face desse monstro é muito bizarra e está frente a frente, rindo, pra todos. Aliás, se teve algo que essa polarização conseguiu fazer e que tem um viés clarificado foi o de arrancar a máscara que estava colada na face dos brasileiros. Brasileiro, povo festeiro, amoroso e o caralho? Não, não. Brasileiro, povo vira-lata, cordeiro, racista, xenofóbico, homofóbico e conservador. Todo mundo já sabia, mas agora é concreto. Se não todo mundo, boa parte da população. De novo, não há tempo para dúvidas, completamente sem tempo, irmão. Quem é nosso, é nosso, quem não é, não é e ponto.
O medo de morrer é real. Sempre foi pra nós, pessoas das tais minorias, mas agora além de real, dá pra sentir o cheiro por estar tão próximo, é cru e podre. Sair na rua é completamente diferente do que era uns anos atrás, antes variava do inseguro ao bizarro. Agora varia entre o bizarro e mórbido ao absurdo. E digo isso da visão de uma pessoa preta, mas, ainda sim, privilegiado por ser homem e hétero. As mulheres, principalmente pretas, eu sequer imagino o quão insustentável deve ser vivenciar e refletir sobre isso.
Me incomoda — desde já me incluo em todas as críticas que aqui virão — estar vendo tudo isso acontecer — lembrando, em onze dias de governo — e nada estar acontecendo vindo da oposição e da esquerda. Provavelmente há coisas sendo feitas dentro das organizações políticas, eu quero acreditar nisso, não sei exatamente o quê, mas, não consigo pensar nisso como o bastante. Pelo absurdo de realidade vivida no Brasil, é necessário o impacto, é necessário quebrar, é necessária a violência. Estão nos violentando da cabeça aos pés. Quando digo violência, não digo apenas física, mas em todos os sentidos, simbólica, cultural, artística, mental, tudo. Em poucos dias passados em 2019, mais de 20 casos de feminicídio no Brasil, mano… Será que é tão difícil ver essa porra? Não é, caralho.
Eu passo o dia no twitter e vejo as milhares de reclamações, xingamentos e descontentamento que geram apenas uma depressão momentânea e constante em relação as coisas. A esquerda se mostrou uma criança pirracenta e desengonçada, que quando cai pro chão, faz birra, grita, chora e quando se vê ignorada, para e volta a brincar com seus brinquedinhos. Porra, tá ligado? Tá tudo absurdo, absurdo e absurdo.
Em meio a selvageria, há de se ser selvagem e isso nunca foi tão real.
Me deixa curioso, ao final desse ano o quanto o índice de depressão, ansiedade e suicídios.
Diante tudo isso, a única coisa que me dá um vislumbre de tudo o que disse aqui em relação a reação, tenho de dizer: Eu boto fé no rap. E talvez seja a única coisa concreta que eu ande botando fé não só como reação, mas como ataque também, que dá pra ver que não estamos mortos. O que o rock tentou e não conseguiu, fazer, não, não cabe. A MPB dos anos sessenta também não cabe. Os valores têm de ser dados, óbvio, porém, a iconoclastia também é necessária, que quebrem os ídolos e que se valorizem aqueles que não tem medo de expor, expressar e dizer. Não é o tempo dos brancos ricos cantando com os pés na areia de Copacabana, não. O rap é a única expressão e, vindo do movimento hip-hop, que eu vejo não ter medo de apontar o dedo na cara de falar e fazer mudar, impactar. Cuspir na cara de quem merece cuspe mesmo. Com a violência que tem que ter sem perder a humanidade e dizer o que dói. Se tem uma oposição que é válida, apesar de seus pesares, como o machismo que há ainda no rap, é o rap, isso se não for a única que, pelo menos, dá pra ver e sentir. O resto tá distante e, muitas vezes, eu sinto que tá pouco se fodendo, na real.
No mínimo, era pra estar tocando uma Primavera Fascista diferente de gente diferente a cada esquina, mas, vejo a galera caladinha e de punho aberto.
Como diz Axant no início do seu verso: É melhor jair se acostumando, agora é guerra porra.
Essa guerra já faz tempo que tá rolando, agora só dá pra ver que, no momento, estamos perdendo pra caralho, mas, sim, que a guerra seja guerra, então.