Rap do sul: Descentralização, mais Zudizilla e menos rapper branco falando merda.
Houve um leve furdunço em relação a esse cara do sul que veio com um tal rap que fala umas merdas e, desde já, deixo explicito que eu vou…
Houve um leve furdunço em relação a esse cara do sul que veio com um tal rap que fala umas merdas e, desde já, deixo explicito que eu vou usar o menos possível pra falar dele e da música, não vou por links, não vou falar o nome e nem nada disso, apesar de eu querer muito destrinchar cada merda que ele fala na música, porquê é justamente sobre isso o texto: Não dar palco pra maluco. De qualquer forma, pra quem tá um pouco mais ligado no que anda rolando de novo no rap, provavelmente deve ter passado por esse clipe e se sim, com mínimo de bom senso, também ter dado risada.
Sim, aquele mesmo que diz que “a terra do chimarrão tá ensinando a fazer rap” e que “eles, os sulistas, aguentam o frio que cês não aguentam, o restante do brasil, e talvez o calor também…” Pois é, é risível. Chega a soar como uma chacota ou alguma paródia. A meu ver, transpassa, de uma forma gritante, como, em pouquíssimas frases, pode haver tanto desrespeito e tanto desentendimento em inúmeros aspectos, como do surgimento do rap, do movimento do hip-hop, de quem e pra quem veio, da história dos pretos e pretas. Além de mostrar que a cultura eurocentrada e bizarra do Sul é uma problemática gritante… Mas de novo, eu vou dedicar o mínimo a isso.
Desde que vi isso, não tinha passado de risos e ignorância, mas, então, me apareceu um relato de um rapper do sul que eu não tinha ideia e, de fato, eu tinha esquecido da possibilidade de existir rap no Sul, de verdade. Zudizilla é o nome do rapper, que dizia isso aqui no relato, postado no instagram (tem alguns tweets também):
E essa parada me botou bastante pra pensar no quanto essa centralização do eixo Rio-São Paulo — que já dizia Claudio Assis, diretor pernambucano deslumbrante do cinema brasileiro, que foda-se o eixo — acaba por matar um tanto a amplitude e própria expressividade de culturas. Tudo sofre com esse conceito e tudo é reduzido, apesar de parecer estar crescendo. Cresce, de fato, mas cresce pra quem? O nordeste serve como exemplo nisso — não só no rap — que se mostra grandiloquente e completamente diferente com a consolidação dos raps e rappers atuais, como Diomedes, Baco, Don L, Nego Gallo e até Luiz Lins com seu R&B. São rappers que são novos, mas tem vários que estão na caminhada a muito tempo e, com esse olhar viciado e, arrisco dizer, esquecido e preconceituoso, faz com que mentes e possibilidades sejam mortas. O Sul a mesma coisa.
Digo sem receio nenhum que só fui me ligar no que tinha no Sul não só de rap, mas de qualquer música preta depois que li isso do Zudizilla e me colocou em uma completa outra perspectiva de realidade e do quão forte isso é.
Já citado antes, o sul é conhecido como a “Europa brasileira”, está intrinsecamente ligada a uma forma completamente diferente de cultura das outras regiões do brasil e sabe-se que, diante de uma europeização bem enraizada, há uma cultura racista dentro desse espectro social ou, melhor, um embranquecimento gritante — por isso também a música do rapper branco sulista é ainda mais desrespeitosa, essa bosta — e, com todo esse escopo explicitado, se pôr como um preto e rapper e não só, mas um rap foda de ouvir. É bastante coisa, é mais do que parece.
Zudizilla no relato postado, fala muito mais do que eu poderia falar sobre ele. O álbum de quinze faixas “Faça a coisa certa” tem influências de transgressor Jean-Michael Basquiat e do incrível diretor de cinema Spike Lee, além de ter um minidocumentário em que o mesmo fala como foi o desenvolvimento de toda a parada. É um trampo completo e muito bom, de fato.
Mas, tamo aqui, dando palco pra maluco que fala merda atrás de merda.
Isso reflete muito do que boa parte do mundo ocidental anda vivendo, mas, principalmente o Brasil nesses últimos anos, em que nessa irresponsabilidade de dar atenção pra malucos completos, alimentar essas bocas famintas por atenção e poder, foi colocado um fanático racista, homofóbico, xenofóbico, lambe-botas na presidência do país. O sensacionalismo não é tão mais sensacionalista, é cotidiano e isso é mais danoso do que parece. Essa cultura de ser fisgado pela polêmica e pelo cheiro de merda é um ato político e desse ato político outras coisas morrem. O próprio Zudizilla expressa que queria fazer a cena crescer lá, elevar a negritude também, isso tudo lá no Sul, mas, pô, como? Agora ele tem seus rolês com a produtora do Parteum, que é São Paulo e isso é gracioso e interessantíssimo, ainda há muito o que se fazer perante tudo isso, mas ainda assim, não é estar por completo por lá. O sentimento de querer fazer mudança lá de dentro é, ao meu ver, simplesmente sublime e crucial, eu diria o mais certo que a palavra pode abarcar, mas é necessário que seja além disso, infelizmente.
Fico a me perguntar o quanto disso já matou, simbolicamente, artistas grandiosos e que poderiam causar alguma mudança forte. A arte por si só se mostra como o incômodo, aquilo que gera um tipo de desestruturação no que se é concreto, de fato, é um fator de completa mudança na absorção e tentativa de compreensão, é um movimento reflexivo e existencial que pouquíssimas coisas conseguem ter o mesmo impacto. Isso é muito, é muito pra caralho, é importante. Mas, tem hora que eu paro e penso que é intrínseco ao ser humano a vontade e o ímpeto de rolar em merda, talvez por ser mais fácil, talvez por despertar um prazer rápido, não sei exatamente o porquê, todavia, é de frustração que estamos falando e, como não perco a oportunidade de citar Racionais MCs: Eu sei, você sabe o que é frustração: Máquina de fazer vilão.
Como diz o próprio álbum do já citado aqui: Faça a coisa certa, não as coisas que te fazem engolir sem nem saber porquê.