Sidoka, aquele flow e linguagem: “Eu sou um pergaminho, cês nunca vão me decifrar”.
Conheci Sidoka com a apresentação vinda na música UFA, do álbum consagrado de 2018 “O menino que queria ser Deus” de Djonga que na música…
Conheci Sidoka com a apresentação vinda na música UFA, do álbum consagrado de 2018 “O menino que queria ser Deus” de Djonga que na música, antes de entrar o segundo verso — o que Sidoka canta — nos convida a prestar atenção dizendo “Liga pro Sidoka pra trazer aquele flow” e quando entra Sidoka cantando é instantaneamente compreendido do porquê “aquele flow”. Passa uma autenticidade incrível. A junção das palavras, a forma como coloca, a rapidez, a voz. Sidoka é chamado pra trazer aquele flow e ele entrega, sem dúvida, aquele flow.
Nicollas, vulgo, Sidoka vem da onda incrível que desde ano retrasado/passado em Minas Gerais, principalmente, Belo Horizonte, continua provando que pra além-eixo há país, cultura e arte que se tem de ser valorizado pela qualidade da parada. Junto com Djonga, FBC, Clara Lima, Hot & Oreia, Delatorvi, Chris MC, Sidoka acompanha essa alcateia de cultura rap e trap que emerge de forma intensa e musicalmente grandiosa. Mas vou te falar, no meio de toda essa gente, inegavelmente, tem alguma parada no Sidoka que se destaca e eu já me perguntei pra caralho o que era.
Doka — para os íntimos — é taxado como um trapper debochado e ousado e isso também é inegável, o próprio trap tem um tanto desse compromisso com o um cotidiano de prazeres, de uma forma de viver, em que mais conta histórias simplórias que envolvem drogas, sexo, de prazer, num geral, apesar de haver os que destoam, um base comum é essa, além das características musicais, como adlibs, beats fodas, enfim. Todavia, essa tal atração pela música do Sidoka, a meu ver, tem todo um conceito muito mais complexo que isso, onde o moleque de dezenove anos consegue atingir autenticidade artística que faz prestar atenção em muitos outros aspectos na música, pra além da lírica, aliás, muito pra além da lírica. Óbvio que como um trapstar, com as letras e os beats se intermediando, atinge brilhantemente o objetivo de tocar de uma forma que anima, dando vontade de comprar um juliet querendo meter um loco e isso é ótimo. Mas tem muito mais.
No final de 2018, Sidoka nos presenteou com o seu primeiro álbum de nome “Elevate” depois da sua mixtape “Dokaz” e a poucos dias atrás fez seu primeiro show em São Paulo, lotando a casa Morfeus. O que só confirma o quão interessante Sidoka é.
Com um álbum com muitos hits do início ao fim, consegue expressar muito do que é Sidoka, realmente proporciona um entender quem é o artista, consegue expressar o que é Sidoka. Depois de ouvir o mesmo será muito difícil — ou impossível — confundir com alguma outra parada. De novo, a autenticidade de Sidoka é impressionante, na música brasileira e no trap — o trap tem muita problemática, muita produção parecida, além de muito trap ruim —entretanto, uma das críticas mais veementes que já ouvi é a de “Nossa, mas eu não entendo nada do que ele fala” ou coisas semelhantes e até compreendo, mas o próprio Sidoka diz na música Hydra: Eu sou um pergaminho, cês nunca vão me decifrar.
Sidoka é pura linguagem.
Linguagem define-se por: qualquer meio sistemático de comunicar ideias ou sentimentos através de signos convencionais, sonoros, gráficos, gestuais etc.
A reflexão me lembra uma apresentação do Reggie Watts, um comediante estadunidense, junto a um texto de 2014 postado no papo de homem em que Reggie faz uma apresentação inteira de quase 10 minutos em que ele não faz uso de nenhuma coerência em relação as frases, usando apenas de tons, cantos, formas de falar, timing e, por mais que não faça nenhum sentido o que acontece no palco da apresentação há um mescla entre uma curiosidade e interesse de estar buscando cada vez mais algum sentido naquilo que está acontecendo ali enquanto que é capaz de sentir o que ele fala para além do sentido das frases. Isso fica explicito quando ele canta.
É isso que sinto com Sidoka e isso me fascina pra caralho.
Não me entenda errado, não acho de forma alguma que Sidoka não faz sentido — aliás, acho que tem trappers aí que mesmo falando tudo com uma boa gramática e dicção, fazem muito menos sentido — Porém, é nítido que é uma característica da música a dificuldade na compreensão da fala, pela rapidez do flow, pelo dialeto próprio de uma microcultura, a citação de marcas vestimentas e acessórios pra uma maior valorização do símbolo, tudo isso complica a lírica, todavia, isso não é um problema e ele consegue usar disso pra que seja característica crucial da música. Mano, isso é perspicaz pra caralho. O trap por si só tem a característica da mistura entre voz e batida ser muito menos distintiva, quase a voz como parte do instrumental e há isso brilhantemente. Expressar-se assim é muito difícil, pois, há duas opções: Ou desperta um interesse/curiosidade ou de fato afasta. Isso dá uma autenticidade muito nova.
Sidoka é novidade pra caralho.
Usufrui da linguagem onde consegue atingir aspectos da sua originalidade, conseguindo imprimir isso em nuances que falam muito mais que a própria fala ou lírica. Do estilo de roupas — o famigerado juliet de noite e as luvas refletivas — as capas dos singles, álbum, mixtape, da lírica, do flow — que pra mim é o flow mais original do trap e rap desses últimos anos — do nome das músicas, até mesmo nas descrições das músicas no youtube — que são incríveis, diga-se de passagem — na música em si, enfim, em toda a persona de Sidoka, o que de certa forma é o propósito da arte. Transcreve um jovem contemporâneo cantando o trap e com tudo que ronda isso, mais pra muito além disso.
Pra além de um trapstar que vem com ousadia e deboche. De novo, o cara tem 19 anos. É maravilhoso ver um cara de 19 anos que diz “representa a vontade de vencer. a autoestima. representa pessoas que assim como ele, de origem pobre, que sonham/conseguiram se livrar do caos, que representa o refúgio dos problemas da vida, representa a busca do luxo quando se vem da lama, que representa muita coisa…” (parte da entrevista pra RAP+) com essas características tão autênticas e as vezes até destoantes. Doka é um puta de um artista pra se ver — literalmente — crescer.
doka.