[Essa é uma série de alguns textos que vou postar no decorrer desses tempos com um olhar sobre tudo - ou quase tudo - que senti de amor - ou amores - em que começara como uma ideia de um texto só, mas, que ficaria gigantesco se fosse apenas um texto, então, dividirei em partes pra que fique mais fácil de tragar, porém, entendam que é, de fato, um único texto direto e corrido. Talvez, quando postar a última parte, eu faça uma postagem com ele inteiro pra quem quiser ler.]
(…)
Havia algum tipo de hierarquia em como eu percebia o caminho do amor romântico. Primeiro era gostar, segundo era adorar e terceiro era amar. Nunca amei sem construir, mas, gostar... Semente da paixão. Gostei demais, de várias. Adorar acho que adorei menos. Amar... Amar, amei quatro mulheres na vida. Talvez cinco.
Dessa vez tudo isso começou meio complicado, meio caso de novela adolescente.
Lorrayne era namorada de um ex-amigo meu - que se tornou, fatidicamente, um merda colossal como ser humano - amigo esse que chegou, por um tempo, um de meus melhores amigos na época. Viveram eles seu ano de relacionamento, se bem me lembro não passara de um ano ou até menos, ou até mais, minha memória dessa época já não é tão nítida.
Era amigo de ambos e, em certo momento, me aproximei de forma íntima também de Lorrayne, mas, sem sequer qualquer malícia. Eu nem sabia se’u sabia ser malicioso de uma forma atraente nessa época. Era, genuinamente, só um bom amigo, daí, quando terminaram, me mantive ali naquele mesmo lugar, porém, claro, haviam-se luzes de portas abertas que não me recusei a entrar, confesso. Foi algo lento, mas, n’algum momento, ela me convidou pra entrar e eu, estupefato pelo convite de uma menina tão bonita, entrei, quase que inocentemente mas, com vontade, dentro desse convite.
Lorrayne era um ou dois anos mais velha que eu. Eu com meus treze anos, acho.
Tinha - ou tem, pois, ainda vive - dentinhos pequenos, um cabelo liso, de cor entre o cobre e o vermelho, de pele bem alva e de fala rápida, bem rápida. Tinha olhos realmente grandes, nariz pequeno, empinado e mãos pequenas. Filha de um dono de uma famosa franquia de sorveterias. Sim, eu podia pegar sorvete de graça, mas, não aproveitei tanto esse privilégio, só peguei uma vez um milkshake, se não me engano era de ovomaltine. Me arrependo muito disso. A timidez me fodeu de formas deveras específicas.
Nessa época, já de pré-adolescente para adolescente, a mutação nítida dos corpos eram fogos de artifícios, brilhavam os olhos. Ela com o corpo em formação, peito, bunda, coxas, cintura fina e de rosto tão bonito, que compartilhava de gostos que também eram meus e, também, de maneira inesquecível, era uma menina deveras, como posso dizer... Tesuda, safada, excitante e excitada, o que, a meus olhos da época, era um deslumbre gigantesco, pois, nesses tempos, como um moleque crescido no interior diante de valores cristãos e ligeiramente conservadores, era, no mínimo, estranho ou até difícil compreender. Como assim existiam meninas que saíam daquele estereotipo da menininha bonitinha, delicadinha, boa mocinha, inhainhainha?
Aquilo não me fazia condená-la como depravada ou puta, como costumeiramente era esperado que se fizesse uma criança aspirante a homem nessa cultura, afinal, ora, que absurdo pecado era uma mulher sentir desejo, não é verdade? Tais características me apresentavam outros aspectos da existência dos seres humanos no mundo, principalmente das mulheres - seres que sempre me deslumbraram, não só num sentido lascivo-sexual - e eu gostava muito daquilo. Sentia que ela era de outro tempo, de outro modo de vida e isso me fazia lisonjeado pelo convite que a mesma me fez de adentrar a sua vida. Havia um tipo de admiração que me fazia sentir que para além de viver aquela experiência, tinha coisas a aprender sobre a vida.
Enfim, ficamos, nos beijamos, nos descobrimos nos recém-nascidos atos sexuais. Uma pegada na bunda, o sentimento do seio, o arrepio com um beijo, o olhar de desejo, tudo eu descobri ali, que podia eu fazer que ela sentisse e que ela podia fazer que eu sentisse. O descobrimento do tesão na pele pelo toque do outro de maneira compartilhada é um estouro.
Infelizmente não me lembro de nosso primeiro beijo. Na verdade, minhas memórias se recordam apenas de momentos aleatórios, como se fosse uma grande névoa amalgadamada de pequenos momentos, até porque fora realmente pequeno e bem estranha essa relação.
Pedi ela em namoro rápido e foram três meses de relacionamento como num filme roteirizado de forma bem clichê onde, no primeiro ato fora a subida, no segundo fora a crise e na terceira fora a queda, assim, bem dessa forma mesmo clássica mesmo. Uma fase pra cada mês.
Quando namoramos me senti abençoado, ungido por um privilégio gigantesco. Junto a problemas com minha própria autoestima, me sentia incessantemente lisonjeado de que uma menina tão bonita tinha se apaixonado por mim - acho que se apaixonou - e hoje percebo que várias questões atravessaram essa relação, como raça e classe social, eu era o moleque pretinho pobre que vestia roupas que tinham ficado pequenas para o irmão mais velho, que namorava a mina branca e rica. Nas poucas vezes que fui a casa dela - ela nunca foi a minha - eu me sentia um estrangeiro lá, um exoticismo para o mundo deles. Tenho plena convicção que o olhar de desdém que o filho da puta do pai dela tinha era para além de um olhar do clássico "você está comendo minha filha". Até porque eu não estava, infelizmente.
Todavia, foram nesses três meses que acessei meu romantismo como sempre quis acessar, de uma forma livre, onde eu tinha pra quem fazer os poemas de amor e lembro bem que nessa época eu já escrevia e lia bastante, aquelas palavras entaladas na garganta de me minha mente tinham agora um rio pra fluir e não uma barragem. Sempre fora eu um devoto das musas e agora eu compartilhava a vida com uma. Assim, bem ultrarromântico, só que sem a parte de morrer.
Vivi muito mais uma adoração do que um amor, mas, amei, sim. Entretanto, numa rapidez que faz ser difícil lembrar o gosto do amor. Sobra a paixão.
Tudo isso acabou como num roteiro adolescente: Já estávamos terminados, mas, naquele lenga-lenga e, num dia, numa festinha, em meio as luzes estroboscópicas derivadas da cor vermelha primária, ela ficou com o ex dela na minha frente e aí, pô, a história está dada. Aquela coisa de ir embora, andar um pouco sem rumo, sentar numa praça, chorar e compreender que a dor de amor realmente doía.
Depois, ainda lembro de tentativas de volta, até de ficadas ou coisa do tipo, mas, já tinha de fato acabado mesmo. Eu estava demasiadamente na vibe dela e ela, definitivamente, já estava em outras vibes, outros mundos, outras vidas.
Me vem logo na cabeça uma situação que, na época do MSN - tal qual fora a melhor forma de se conversar na internete - e das webcams de qualidades péssimas, em meio a conversas que ainda conversávamos, disse pra ela que queria lhe mostrar algo e, então nos ligamos por vídeo, sem microfone porquê eu não tinha, e depois de escrever algumas palavras na janela do chat, mostrei um caderno que estava escrito bem grande "re-namora comigo?" e ela aceitou, foi muito incrível o sentimento, porém, coisa de uma semana depois, terminamos e, realmente, foi de vez agora, completamente mesmo... Tanto que essa é minha última memória dela nesse tempo e, depois, há só apagão.
A vi pouquíssimas vezes depois, nunca mais conversamos e, pelo que sei, sequer nos cumprimentávamos pós isso, era uma coisa meio evitativa mesmo, não acho que por mal - pelo menos de minha parte - era algo mais como "nossa, que que a gente viveu mesmo?", soava quase constrangedor de alguma forma, não sei exatamente porquê. Soa desencaixado do tom.
Até trocamos ideia muito tempo depois por instagram, jogamos conversa fora e, basicamente, foi isso, efêmero. Interessante e efêmero.
Sonhei com ela a alguns anos atrás. Talvez até foi isso que levou pra essa troca de palavras pequenas. Difícil de entender as inescolhas da memória.
Após isso, é difícil organizar as memórias desse tempo, minha vida continuou de forma comum para um jovem de interior, lembro que fora minha era em que eu me joguei fundo na internet. Naquela época era um brinquedo muito menos complicado de brincar. Passava horas e horas surfando pelas ondas da web, enfiado em animes, jogos online, filmes, conhecendo pessoas de longe, jogando muito RPG online de personagens interpretativos - inclusive, por curiosidade, daí que comecei a, de fato, desenvolver minha escrita - e coisas do tipo, foram bons tempos de horas e horas sentado à frente de um computador que era mágico.
Fui me apaixonar novamente quando, no ensino médio já muita coisa tinha rolado.
Mas, de repente, vi uma fada.
Isso não é metafórico, de fato ela estava vestida de fada quando lembro a primeira vez de tê-la em vista, numa festa fantasia, no começo das jovialidades e adolescências mais, de fato, adolescentes. Quase não haviam rolês para se fazer na minha cidade, então, qualquer festa que não fosse de aniversário ou coisa do tipo, realmente era marcante e, se minha memória não me ludibria, fora a primeira vez que fui a uma boate e, também, numa festa fantasia... Tanto que eu não tinha fantasia, apenas coloquei uma cueca por cima da calça e quando me perguntavam do que eu estava vestido eu dizia ser o Capitão Cueca. (?)
Me traz um sorriso lembrar dessa simplicidade ingênua e gostosamente ridícula.
Era uma noite bem escura e pouco iluminada, como era comum na cidade, as luzes não pareciam ter tanta força naquele contexto. Não haviam outdoors brilhantes, publicidades escrachadas e esses tipos de coisa, o lugar com mais iluminação era a avenida principal do centro que era logo perto da praça principal da cidade que residia a igreja principal da cidade, onde, basicamente, era o point pra todas as pessoas: A Praça Sete. Tudo passava por lá.
De carona com o pai de um ou dois amigos que me acompanhavam para tal festa, no caminho o carro que estávamos passava por uma das esquinas dessa praça em direção a boate de nome Pantheon e, perto da banca de jornais que havia por lá, como quem esperava alguém, estava lá, azul em meio aquela escuridão pouco iluminada. Uma menina vestida com um vestido azul piscina, all star branco e uma varinha de condão, com uma estrela na ponta da varinha, que era impossível a visão periférica do olho não convidar o foco do olhar para ver melhor. Na pequena velocidade do carro, passava como uma cena de uma tela de cinema feita pela janela do banco de trás do carro, da esquerda pra direita, acabando essa visão logo na curva da esquina. Escrevendo agora, foi bem bonita a cena.
Chegamos a festa e ela estava lá, entretanto, nada aconteceu, nem conversamos. Algum olhar rápido trocamos, mas, eu era tímido e sem habilidade nenhuma para algo, tanto que, nessa mesma festa, eu sequer pensei em algo além de curtir com meus amigos. Sequer sabia eu exatamente o significado da palavra flertar, portanto, não era algo significativo. Mas, inegavelmente, havia descoberto que naquela cidade de interior, existiam fadas de verdade.
Nesse período temporal, havia mudado de escola, ido agora para uma escola técnica, quiçá a melhor escola pública da cidade, em que viveria de forma contraditória os piores momentos e também, viveria amizades, grupos, gente de forma demasiada e inesquecível. Eu odiava muito aquele lugar, ainda mais porque minha escola anterior era simplesmente incrível. Meus melhores amigos - que se mantém até hoje - vieram daquela escola e, agora, estava num lugar completamente meritocrático, de uma ética completamente maquínica pra jovens de pré-vestibular que, devido a haver um vestibulinho para entrar, misturavam-se pessoas de escola pública e de escola particular, então, convivi com muitos, muitos filhos da puta que, sinceramente, acredito que ainda sejam filhos da puta até hoje. Ou talvez seja só meu rancor falando.
Depois de uns meses ao entrar nessa escola foi formidável como as pessoas estranhas ao comum se juntam. Fazia parte de um grupão que tinham se atraído pelas diferenças e desencaixes. Pretos, pobres, gays não assumidos, deprimidos, nerds sem habilidades sociais, aqueles que não conseguiam ou não se interessavam em viver a adolescência estereotipada de beijos na boca, perduras de virgindade, status microssociais e afins, enquanto os outros estavam vivendo essa adolescência estereotipada.
De forma bem cotidiana, num dia qualquer, um desses novos amigos, me disse que uma amiga dele tinha me achado muito bonito, que tinha me visto numa festa e tudo mais. Era a tal fada. Eu não me achava nada bonito. Lembro de ficar deslumbrado... Aliás, deslumbradíssimo, pois, diante daquele contexto, naquela escola calcada em status e classe social, minha autoestima, minha curva descendente, se acentuava cada dia mais vivendo naquele lugar. Enfim, perto da quadra da escola, no intervalo - famigerado recreio - estávamos nós em um dos bancos e esse meu amigo num grupinho logo ao nosso lado, articulando para angariar ainda mais gente pra esse grupão de gente desencaixada, que, no final das contas, realmente se juntou. Ela estava naquele grupinho, era a melhor amiga dele e, por fim, enfim, descobri qual era o nome dela.
O nome da fada era Bárbara.
A menina-fada que eu iria namorar por quase cinco anos da minha vida e descobriria um dos conceitos mais importantes que bell hooks nos ensina - apesar dela ser branca e sequer saber eu, ela ou qualquer alguém daquele contexto, naquela época, da existência da grandiosa bell hooks - que é o amor como ação. Ação e construção
Com ela descobri e vivi vagarosamene e contemplativamente o gostar, o adorar, o amar e o acabar.
Bárbara era - é, acho que ainda vive - uma menina de pele alva, cabelos alisados por química, nariz grande, sorriso quase infantil e olhos verdadeiramente denunciantes de seus sentimentos. Que sempre estava com all star nos pés e quase sempre de calças jeans. Tinha um corpo em formato de violão, uma cintura fina, bunda e coxas bem grandes - eu adorava - que falava rápido, era muito inteligente, muito mesmo. Carismática e extrovertida, super ativa. Quase o contrário de mim naquela época. Eu estava gentilmente apagado, confuso, triste, preocupado, era tímido - ou intimidado - em demasia, camuflava minha falta de habilidades sociais com humor ligeiramente autodepreciativo, além de todos os marcadores identitários já citados e, agora, com aparelho nos dentes.
Porém, nos encaixamos harmonicamente, sem qualquer conjunção adversativa, realmente nos encaixamos como a varinha e o condão.
Lindo!