tempo. havia tempo e um oceano entre nós. tempo demais e oceano demais no meio disso.
voei, ultrapassei o espaço e quando me debrucei no território desse tempo, percebi que uma paixão vivida por suculentos pedaços ainda tinha muito a se degustar.
cheguei a bahia, primeiramente pedi licença ao mar que lambia a praia de Ondina, depois desfilei pelas ruas, afoito, pouco navegante, quase desorientado pelo cansaço da viagem e o deslumbre da chegada. vi tudo o que pude ver, tentei ao máximo ver inteiro cada pedaço do que a cidade de salvador me mostrava e se mostrava. não pra mim, pra tudo e todos, sem vergonha nenhuma.Salvador é crua, quente, colorida e aromática. específica. grande no ápice da característica de grandeza.
jamais vou me esquecer das cores que vi na cidade. tudo parece mais colorido que a própria cor. até a artificialidade consegue ser orgânica.
andei o dia, parei a tarde. a noite, fui te ver.
depois de uma situação engraçada para o caminho da sua casa, junto a conversa baiana que ouvia no uber, chego, aterriso, de novo, sem sair do chão. saio do carro, olho entre as grades do portão, vejo-te, emoldurada pela porta mais à frente do prédio, cheia, cheia de vermelho.
vermelho-veste e preta-cor, óbvio.
o confuso motorista do uber faz você vir dar informações e eu sinto alvoroço interno, uma mistura de prazer e felicidade, em ouvir seu sotaque sergipano de encontro ao sotaque baiano do motorista.
enfim, no fim desse começo, rimos e que ótimo jeito de me receber na sua casa.
nos abraçamos e, que bom. seu cheiro não era o mesmo, mas, não era diferente, era como uma atualização, como um movimento novo numa coreografia. como um déjà vu.
a sensação de déjà vu combina com o mar.
no seu quarto, a meia luz do banheiro, você me sorri, com o cabelo volumoso e fino e em seu sorriso, lindo, absolutamente lindo, me confundo com a brilho do mesmo, não sei se faço analogias com o brilho do luar ou com a incandescência do sol. só ilumina e, poeticamente, tem a ver com os astros.
nos sentamos na cama, conversamos e conversamos e conversamos. e beijamos. e que saudade eu tinha de te beijar imensamente.
todo o sentimento do mundo é de novo, mas, novo.
sinto que nos encontros e desencontros que tivemos no pequeno horizonte, oprimidos por uma pandemia, transformando seu ex-quarto num país que incendiava e acariciava, não demonstrei o quanto eu amava aquilo. atrasei minhas falas. quando senti, estremeci. na época, eu, um manifesto corpóreo em se assustar com o sentir da paixão. um evitativo, um evitado e um evitador. quis me exilar, quando, mesmo sempre sabendo que logo, logo, você voltaria pra perto do mar, deveria ter aproveitado mais.
devota do mar e do silêncio que desaguava em mim.
enfumaçamos seu quarto, queimamos a maconha e bobo ficamos. agora eu conhecia todos os cheiros e me senti o exilado que volta à seu país. eu conhecia aquelas ruas. estava ansioso de voltar, mas, conhecia.
que bom.
do vestido vermelho, as pernas por cima de mim e o encaixe mais humano possível, o cheiro do cangote, as línguas chupadas, as mãos apertadas e os respiros vociferantes.
que saudade. que bom é enfiar a língua na saudade.
e a música compunha tudo. como a música faz parte da gente.
naquela noite, fui-me embora, mas, graças a deus, voltei.
arranjava um passo de dança-andança pra me dividir entre tu e salvador. mas nunca me dividia, sempre me juntava, multiplicava, pois, apesar de sergipana, ali, naquele momento, pra mim, você era Salvador.
como quem visita do museu até as praias, um lugar pra minhas mãos, meus olhos, minha língua, caminhar olhando e reolhando.
depois, você me levou pra rua do Carmo. comemos em frente ao mar que se misturava com o negro da noite. desfilamos lindos, apressadamente, pelas pedras do Carmo. corremos da noite e das ruas e vielas paranóicas de salvador. voltamos a sua casa
e o resto é história.
intrigante e analógico que logo depois que amanheci em sua casa, fui ver o Pelourinho e, aí sim, entendi o que são as cores e eu estava certo o tempo todo quando via o vermelho de nossa primeira noite.
depois de conhecer o Bonfim e a Boa Viagem, fui me despedir de ti. confesso que estava ansioso, um pouco tristonho até, mas, quente. não sei se consigo ficar frio presente de ti. acho que não.
pouco antes desse fim, sentado na cama, uma das últimas coisas que disse foi "apaixonadinho, né? eu sou", de forma ridícula, você ri. soou engraçado, mas, dentro de mim, tropecei nas palavras, queria ter dito claramente "sou apaixonado em ti", porém, hoje, eu tropeço mais nas palavras faladas, preciso desenferrujar isso, quando nos conhecemos, era azeitado nas palavras de paixão, mas, de forma falsamente madura e verdadeiramente ingênua, forçava calar as palavras, como se isso funcionasse algo. e então, naquela época, você foi embora. nessa época, eu estava indo embora.
que pena.
você riu.
no portão, no nosso abraço final daquela noite, eu tinha que confirmar pra que não fosse um chiste, uma brincadeira. "ó, aquilo sobre paixão, é sério, tá? é verdade. sou apaixonado mesmo", você riu de novo. eu gosto disso. eu não queria ouvir uma resposta, eu só queria dizer algo que eu não dizia a muito tempo, expressar um sentimento que eu não sentia a muito tempo, além de serem palavras já com atraso, anos de atraso, palavras que evitei, como quem tira um incômodo do corpo e sente o alívio por ter tirado.
eu sou mesmo. sem muita complexidade, sem possessividade, até resignado, aceito pela burocracia da distância. só um manifesto que quero que ecoe entre a Bahia e as Minas Gerais.
espero que o mar tenha ouvido.
também disse "não vamos demorar dois anos pra se ver de novo não" e você me disse: "por favor..!" e eu disse, já na rua, "até... não sei, mas, breve"
fui-me embora. fui-me embora de Salvador. entrei no avião sentindo que tinham tantos sentimentos a se sentir.
matei uma saudade de ti. criei outra saudade de ti.
voei de volta e a vontade de voltar já está no meu bolso direito.
apesar dos dos desencontros entre espaço-tempo, é bom sentir.
que bom, e até... não sei, mas, mais breve que dois anos.
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Rapaz, que texto massa. Como soteropolitana, fiquei feliz de ver a minha cidade como coadjuvante de uma paixão tão azeitada e fulgaz, como só quem se gosta à distância sabe. Parabéns.