nada em nenhum lugar em tempo nenhum.
nada em nenhum lugar em tempo nenhum.
Marilda.
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Marilda.

(eu não concordo com Marilda que ser livre é não se importar com a jaula.)

Se tu curte essas inutileza de falazada, considera se inscrever aí no NADA EM NENHUM LUGAR EM TEMPO NENHUM que você vai receber essas paradas todas toda semana.

40, quarenta. Era seu número. Quarenta fios de cabelos acinzentados, quarenta palavras ao mínimo por dia, quarenta livros para devorar ao ano, quarenta e sete risadas, risadinhas, gargalhadas para se dar ao decorrer do dia, conta quarenta nuvens no caminho da rua “Quarenta e dois sorrisos”, tem o estranho hábito de dar passinhos mais fortes quando vê casas amarelas e quase sempre são quarenta que acha que contou mesmo quando são trinta, afinal, o trinta tem de dar as caras, pois tinha aparência de trinta anos, era joviana feito árvore velha, mas toda verde. Bela. Pequenina, de pés sempre um pouco sujos pela andança em sandálias abertas como se fosse uma princesa do interior. Branquinha, e de cabelos contrários. Pretos, que acompanhavam seu tamanho e se mantinham curtos, vestia quase sempre saias azuis ou vermelhas, com blusinhas vermelhas e também azuis com quarenta quadriculados se enlaçando em abraços geométricos, parecia que ela se apossara das cores azuis e vermelhas advindas do arco-íris. Era magrinha, de mãos bonitas com os dedos decorados feito lustres reais com as mais baratas bijuterias, de unhas grandes e avermelhadas. Suas mãos seriam uma bíblia diante de um cigano.

Morava em uma casinha cinzenta, mesclada de branco e preto e decoradas por rosas vermelhas que eram o toque “Marilda” naquela coisa nevoada, mas não a incomodara, era bem livre e ser livre é não se importar com sua jaula. Entrou em casa.

- Alô, George. — Em boca torta para sorrir.

- Olá, Marilda — Em boca reta como as rodovias do desagrado.

Adentrava em casa e seu nariz nada tremelicava, não sentia cheiro de paixão, não sentia cheiro de bolo amoroso, nem sentia cheiro de sexo banhado a suor e cobertura de gemidos gritados em bel prazer. Gostava desses cheiros e tinha seu olfato aguçado feito cão que ama, sentia de longe e ali sentia o cheiro sim, um mal cheiroso cheiro de nada.

Queria seu nariz incomodado, era feita pra isso, se mantinha em sua jaula sabe-se lá o porquê, ela só era indiferente, mas aquela falta de movimento começava agora a incomodar e todos sabem que o movimento ajuda a gente a existir. Seu corpo quer movimento. Se quisesse sair, saía, sem medo, pássaro com asas não tem medo dos céus e ela era um típico Beija-Flor.

Suas andanças fizeram-na descobrir vários cheiros e sabia de um cheiro doce. Doce feito suflair, aqueles que descem as narinas, encurvam os lábios para o alto e reviram os olhos.

- Tchau, George. — Pegou seus sapatinhos e foi.

- Até logo, Marilda — Não pegou nada e não foi.

Pôs-se em caminhada a tardezinha rosada e sabia o caminho: Tinha de passar o cheiro de café quentinho, depois o lago mal cheiroso e então seguir o cheiro de doce achocolatado. Sabia décor, de olhos, boca fechada e principalmente nariz.

Chegara àquela casa rosa bebê e pequenina, balbuciou os três degraus e então deu três toquinhos ritmados na porta branca. A mesma porta branca rangeu e se abriu.

- Olá, Marilda — Diferente de como George falava, vindo de risinho e lábios sorrindo.

- Oi, olá, Ariel. — Da mesma forma — É daqui esse cheirinho doce, é?

- Unhum, é sim. — Deu uma piscadela como se completasse com a cereja aquele bolo com glacê.

Marilda se jogou, queria se lambuzar e foi o que fez, afinal, estava lá para abocanhar. E abocanhou-a.

Seus dedos enlaçavam 40 fios de cabelos vermelhos de Ariel, suas pernas brancas se mesclavam com as pernas brancas de Ariel formando quarenta tons de branco. Caiu no sofá todo roxo como se tivesse quarenta toneladas. Deu-lhe quarenta beijos, recebeu quarenta beijos, os lábios de batom roçavam e brincavam, se acariciavam, formando setenta tons de vermelho.

O cheiro que ansiava estava todo ali impregnado, exalavam de todos os poros, os cabelos, as roupas, os brincos, os dentes, as cores, os móveis da sala, a cama do quarto, a pia da cozinha, o espelho do banheiro. O amor crescia, a paixão trucidava em devoro e os gemidos altos ecoavam as ruas. Para ambas pareciam dois pássaros Rouxinol.

Regressou depois em pulinhos suados e voltara para o seu lugar sem cheiro para que depois voltasse para o lugar onde o cheiro era mais doce que perfume feminino. Era a rotina.

Bateu novamente na porta branca com todo o seu ritmo.

- Olá, Marilda — Era amargo agora, era feito George.

- Oi, olá, Ariel. — Bela como sempre.

- Não, Marilda.

- Não?

- Não, Marilda.

A porta branca vinha vindo em sua direção e não Ariel. Apressou-se para respirar fundo, queria aquele cheiro para si e a porta bateu. Cortou o cheiro feito lâmina.

O cheiro da casa era bom, mas não delirante mais. Virou-se meio cabisbaixa e de boca torta, mas não triste, pôs-se a sua andança hoje mais lenta, nada suada. Um admirador de detalhes notaria.

Tinha sim sido um baque, pouco sabia e pouco, na verdade, queria saber, de pouco adiantaria também, demais a incomodaria. Não estava triste, só um pouco, afinal, era humana, não muito humana, era gostosa de sentimentos, uma bondade, se fosse muito humana, nada disso seria.

Marilda era mais Ilda do que Má.

Marilda aprendeu em curvas da vida, em curvas de palavras vindas de livros, em curvas de pessoas bonitas, sobre um pouquinho do amor e convenhamos, há de ter um dom também. Ela se gostava, afinal, quem não gostava? Sabia de si, se conheceu, se empenhou, fez de si mesmo seu alicerce, não das pessoas como aconselhou Bukowski em um de seus poemas que cheiravam a tristeza e copos americanos de álcool.

Seus sentimentos eram grandiosos e dava as pessoas pequenas partes para amar aquilo, para se apaixonar pelo sentimento que era tanto dela quanto do outro, era dado, não emprestado. Se afundava naquele céu, era livre, ia sem medo de bater asas, mas não era boba, não tinha tanta corrente às pessoas. Ariel ficara com seu pedacinho e se lembraria muito bem desse pedacinho, mas Marilda ficara com aquele cheiro de suflair e estava bem com isso. Não era uma assassina de amores, paixões, cheiros, gozadas, pouco seria, era belíssima assim.

Regressou a sua casa mais cinzenta, em andanças mais lentas, mas ainda sim era sua andança. Peculiar.

- Olá, George. — Curvas lindas, mas um pouquinhos cinzas.

- Olá, de novo, Marilda — Infestado de cinza e estabilidade.

Pôs seus pés no chão depois de tirar seus sapatos e se jogara feito pétala de flor de Ipê ao colchão fofo do seu quarto, de braços abertos como se abraçasse o teto, as estrelas, o céu e Saturno. Soltou a respiração como se soltasse o cheiro só agora com aquele sorrisinho sem mostrar os dentes, mas mostrava um pouquinho de tristeza.

Lembrou-se de seu número, teria de encontrar mais trinta e oito flores para cheirar, duas já tinham sido beijadas pelo seu nariz. George — sim, George foi. Foi. — e Ariel. Trinta e oito pessoas para compartilhar, trinto e oito cheiros para degustar e olha que ainda tinha mais quarenta anos para não ter medo do céu.

Feito Beija-Flor que era, feito flor que era. Feito Rouxinol que era. Feito livre como era e sempre seria.

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matheus morais inácio.