nada em nenhum lugar em tempo nenhum.
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Os quereres.
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Os quereres.

Outros diários da peste. 5 // 10/08. Fluxos de consciência dentro do ano de 2020. O ano da pandemia
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Acho que nunca quis tanto. Querer, puro. O quereres, sabe? Tá entupido aqui dentro de tanto querer. Depois desse inferno viral, eu quero sair, eu quero andar, eu quero querer, querer fundo até o talo, imacular o meu querer pra sempre orar pra querer mais e mais. Quero o fluxo de desejo. A enchente de desejo. A gente vive a prova viva e morta do quão ruim é colocar o desejo de castigo. Se arriscar — mais — você morre. É isso. É louco perceber a morte próxima de todo mundo e longe do tabu exagerado que nunca devíamos ter posto. Imposto.

Enfim, eu quero.

Eu quero poder sair pra rua, assim, puro e simples mesmo sabendo de todos os medos, mas, com menos medos nas costas do que eu tinha anteriormente.

Eu quero usufruir de toda a resiliência que eu tive e extrapolar o corpo.

Tem de ser carnaval, o carnaval dos carnavais.

A ilusão não tem espaço ou tem espaço demais nessa ocasião contemporânea. Eu quero que o real se exploda por alguns dias e que a ressaca seja revolucionária pra rebelar-se contra aquilo que entendemos como o real.

Eu quero um bar.

Eu quero um bar com a mesa cheia, bebida caindo, gente passando, gente dando uns leve gritos. Quero energia sexual rondando a mesa. Quero conversar fiado, falar merda, não conseguir falar de rir. Rir, rir demais, me esbaldar de rir. Quero olhar pras pessoas que gosto em volta da mesa e achar que sim, tentar salvar o mundo é uma ideia incrível. Quero encontros, bons encontros, no ápice da sua filosofia espinosana, deleuzeana, que seja. Quero chamar alguém pra fumar um e deixar a língua rolar e enrolar sem o filtro da realidade, só da vontade. Quero beber com minhas pessoas porquê que sei que acontecem coisas. Quero pensar que existe a possibilidade de tentar conversar com Deus sem ser rude. Quero a possibilidade de algo ou alguém. Quero que a gente mesmo possa se salvar. Que seja mais nítido, menos onírico. Quero me apaixonar, apaixonar pra transformar, transcrever, transpassar, transfigurar a realidade. Me apaixonar perdidamente por ter e ser achado. Quero bater perna, viajar, que todos os solos do Brasil estejam confortáveis aos meus pés, não só pela geografia, mas pela experiência. Experienciar a existência e existir na experiência. Experimentar tudo, todes. Quero lugares, pessoas, casas, vilas, ruas, grafites, poluição, distintas luzes, rostos, pernas, andares, movimento, cabelos diferentes. Quero ser o descobridor de cantos. Quero ver artistas performando, quero arte pra tudo quanto é lado. Quero ver gente preta gritando feliz. Quero dançar. Dançar até que Deus dance também e se não souber dançar ainda pelo menos tente. Quero São Paulo, Rio, Minas, Pernambuco, Amazonas, Norte, Nordeste todo, quero os morros que é onde é que há gente no mundo. Quero o centro das cidades que a gente perde um pouco da gente, mas vive. Quero viver os dias, não esperar os dias. Quero esperar dias para algo, não a ansiedade. Querer esperar uma viagem com pessoas e ficar ansioso pra lembrar que a ansiedade de algo bom também existe. Ansiedade motriz. Quero olhar meus afetos todos sem ver eles cansados, tensos. Quero que a preocupação sobre a máscara no rosto seja ética e estética, não desesperada. Quero cadeiras de ferro, sonhos, fazendas, vontades. Quero conhecer e ser conhecido, mostrar pra todo mundo o que esse corpo vivente aprendeu nesse período de amadurecimento e, talvez, me frustrar. Quero ser desejado, com a boca do olho gritando, enquanto a boca-boca, fechada. Quero luzes estroboscópicas nos meus olhos. Quero abraço, quero pele, quero transa. Quero sexo atmosférico, que demora um, dois dias. Quero rapidez, sem arrasto. Quero explosões de microrevoluções. Quero que a macrorevolução esteja pulsante de viva. Mas quero dinheiro também, eu sei onde estou inserido. Quero o novo anti-normal. Quero do simples ao complexo e saborear cada pedaço do caminho.

Quero não ter final. Abolir a morte.

Antes eu não queria tanto não, mas, agora eu quero.

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sobre nada em nenhum lugar em tempo nenhum, e tudo de mim pro mundo e do mundo pra mim.
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matheus morais inácio.