nada em nenhum lugar em tempo nenhum.
nada em nenhum lugar em tempo nenhum.
Tristeza de Tereza.
0:00
-12:34

Tristeza de Tereza.

Encontro de inocências.

Se tu curte essas inutileza de falazada, considera se inscrever aí no NADA EM NENHUM LUGAR EM TEMPO NENHUM que você vai receber essas paradas todas toda semana.

Estava lá em uma cadeira toda velha de balanço, toda riscada por ponta afiada de canivete e cheia de remendos em suas juntas com técnica não muito boa. Seu Joaquim com um micro impulso da ponta dos pés dentro das chinelas, fazia ela ranger tanto para trás quanto para frente em um ritmo irritante de irritação.

Joaquim ficava na cadeira rangedora do lado da porta branca de entrada, tal qual era a única entrada para a casinha que ficava em uma viela minúscula e de casas também velhas, como sendo uma daquelas colônias dentro de uma metrópole, bem quieta e serena. Não tinha muros em volta da casa, dizia ele - enquanto queimava o fumo - que não precisava mais de muros a sua volta. “Pra quê? Me diga você, pra quê?!” ele falava quase nervoso, ele desejava que ladrões entrassem lá dentro e quem sabe levassem um pouco de seus anos de vida. Era um velho — não tão velho assim — que não gostava de ser velho, diferente dos artistas.

Dia desses viu uma menina de cabelos curtos e azuis passar em frente a casa de viela e seu cenho franziu.

Dia outro, junto a um compadre vizinho, perguntou a ele “Ô meu filho, sabe quem é aquela menina…?”, colocou a mão em cima da boina marrom, com os dedos esticados para baixo, mexendo de um lado para o outro freneticamente, “…Do cabelo tudo meio azul, curtinho…” e o compadre preto olhou para o lado e colocou o grosso lábio inferior por cima do grosso lábio superior como se isso fosse um disparate para a memória funcionar. “Sei não, visse? Mas minha moça deve saber. Ôôô Rosinha! — gritou, com a cabeça para o lado, mas olhando para Joaquim — Sabe quem é aquela bichinha do cabelo tud’azul?!”, e de dentro veio a resposta de Rosinha que era Tereza, filha de Marília ou Marilda, ela não lembrava o nome da moça, morava lá no começo da rua.

Ao lado de sua porta, olhava a rua sem sequer um muro para atrapalhar. Velhos como ele faziam muito isso. Olhou lá para o começo da rua, não enxergava direito, com os óculos presos ao pescoço logo tomou e colocou como se fossem novos olhos, de lentes totalmente redondas e grandes por baixo da boina, ainda assim forçou o olhos, os deixando apertadinhos e agora sim, via melhor, com o queixo grande projetado para frente, vinha vindo a menina, hoje com o cabelo azul e o tênis azul, balançando a franja pela face, ela de jeans um pouco gasto e blusa branca. Joaquim foi acompanhando até de uma forma invasiva com os olhos de vidro e quando estava em seu rumo, levantou uma das mãos, bem aberta e falou para que ouvisse, “Ô, Tereza..!” e ela olhou rapidamente, entreabriu a boca e os olhos apertaram, um pouco menos do que os de Joaquim tentando enxergar melhor, mas logo virou a face para frente e para baixo. Devia ter uns quinze, dezesseis anos.

Desce lua, sobe sol e na lua, Joaquim ficou com isso, com essa menina na cabeça, “Por que ela tem o cabelo azul? Por que anda olhando pro chão? Por que o azul? Eita, menina!”, aí dormiu. Meio bravo, mas dormiu.

Noutro dia, de novo, lá vinha Tereza, mas, quem não veio era o próprio Joaquim. Enquanto Joaquim coçava a cabeça com três dedos - médio, anelar e mindinho - segurava sua boina de couro, tentando lembrar o que é que tinha esquecido como se olhar pro nada fosse lhe responder, Tereza, lá da viela, vinha com sua bolsa branca nas costas, cheia de bugigangas que ninguém dessa história vai saber. Estalou na cabeça de Joaquim e ele logo deu um pulo pra traz, andou desengonçado, meio assado até a porta, mas, só viu a ponta do lenço branco pelo não-muro. Tereza passou e não cairia nada bem um velho correndo atrás de uma adolescente na rua. Joaquim suspirou, genuinamente desanimado, olhando pros pés, como Tereza costumava andar e disse: “Êêê tristeza…”

Sobe sol, desce lua.

Riscou o fósforo, esperou queimar um pouco e então colocou-o dentro do cachimbo, queimou o fumo, baforou uma fumaça de cheiro forte. Correu com os olhos toda a viela, da direita para a esquerda, do fim ao começo e viu Tereza vindo lá, de novo, na frente. Estalou a memória de novo e mostrou esse estalo nos olhos arregalando-os rapidinho.

Ela foi chegando, ele tragou o cachimbo, feliz, hoje ele ia cumprimentar a menina. Foi chegando. Reparou na mão visível que segurava a alça da bolsa, tinha uns anéis nos dedos, entre prata e ouro, claro que não de verdade, mas a unha do dedo mindinho que chamara atenção, era a única pintada — além dos cabelos — com um azul petróleo reluzente, toda chuviscada com alguns brilhos prateados do próprio esmalte.

Como de costume falou, soltando fumaça entre as sílabas, sem pensar muito: “Ô Tereza, não esquece que seu nome não é Tristeza.” .

Ela olhou. Ouviu. Sua face relaxou mas seu passo apertou. Sorriu tímida mas logo virou pra frente e voltou a olhar os pés. Não dava muito bem pra ver direito, mas, o sorriso ficou até o fim da visão.

Dormiu ontem feito um bobo, estava realizado.

Levantou bem, acordou bem, não se lembrava exatamente porquê. Bebeu café e deu uma dançadinha enquanto o rádio tocava em espera do pão na chapa.

Sentado, lá fora balançando de olhos fechados, sorrisinho nos lábios ressecados, cochilou, acordou, coçou um dos olhos, deu de encontro com a vinda de Tereza, já bem pertinho de passar a calçada bem a sua frente.

Cabelo balançava e os olhos no pé, sem sorriso.

Joaquim não acreditava nisso, achou que ia sorrir por mais dias, ficou um tanto boquiaberto e a acompanhou com os olhos exalando frustração, levantou, andou daquele seu jeito meio assado até a pequena gradezinha que separava da calça e olhou de cenho franzido, entre um confuso e indignado, levantou a mão e logo veio o que já tinha virado um bordão: “Ô, Terez-”, dessa vez, antes do “A” no final, ela olhou. Parou e olhou. Virou-se para Joaquim e o olhava, com a cabeça meio pendida para o lado, esperando algo. Quando virou, os olhos de Joaquim não viam direito, com a mão que não estava levantada, pegou os redondos óculos e se embaralhou com a pressa para encaixar no rosto, meio desajeitado, forçou a visão.

Ela tinha uma mancha de tinta azul na bochecha, num redondo todo imperfeito. Talvez pintasse algo além do cabelo. Agora que a via nitidamente com a bolsa, a calça gasta, a unha única pintada e o cabelo azul, ela sorria, quase ria, quase ria dele, um velho desajeitado e confortavelmente esquisito. Ele, claro, retribuiu e apontou o dedo pra cara da menina, balançando como quem diz que achou o que tinha perdido. Falou - também - sem precisar falar “Aí ó! Aí ó!”, a menina já tinha entendido. A menina quase riu. Ele num entendeu mas quase riu também. Esse quase riso dele fez o quase riso dela virar um pouco de riso e assim por diante.

Joaquim riu e tossiu junto, a menina ria mas não dava pra ouvir ali da viela, risada de gente velha toma conta.

Share nada em nenhum lugar em tempo nenhum.

_____________me siga nas redes: @matheusyfe em tudo. // arte da capa de BELA RIGHI.

1 Comentário
nada em nenhum lugar em tempo nenhum.
nada em nenhum lugar em tempo nenhum.
sobre nada em nenhum lugar em tempo nenhum, e tudo de mim pro mundo e do mundo pra mim.
Ouvir em
App Substack
RSS Feed
Aparece no episódio
matheus morais inácio.