nada em nenhum lugar em tempo nenhum.
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Aplicativo pra parar de fumar.
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Aplicativo pra parar de fumar.

ou Deus?

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Hoje, exatamente hoje, faz quase um mês que eu parei de fumar cigarro. Aliás, pra ser mais preciso, quase 24 dias. Ora, já que estamos falando sobre precisão, fazem exatamente 23 dias, 14 horas, 45 minutos e quase outro minuto que eu parei de fumar. Isso é o que o aplicativo diz.

Tenho ficado deveras intrigado com os efeitos desse aplicativo, cartografando - literalmente - cada segundo da minha "cura". De alguma forma me deslumbra, contudo, me agonia. Que olhos são esses que sou olhado?

Vide comigo: Pra além dos segundos passados sem dar uma tragada em um delicioso cigarro, este aplicativo ainda me informa que poupei 132 reais e 27 centavos, que não fumei 165 cigarros e que - pasmem - recuperei 1 dia, 6 horas, 18 minutos e 43 segundos de vida.

Nunca, jamais achei que um aplicativo de celular fosse me aproximar tanto das reflexões que eu já tive sobre Deus.

A cada respirada eu estarei mais perto da redenção de um pulmão que enfim descansa, de um coração que não acelera pela nicotina ou pela falta dela. Esse corpo agora se redime.

Ok, e eu confirmo isso com o aplicativo? Afinal, Ele que desde que comecei a escrever estas palavras cá postas já me instituiu mais cinco minutos que eu não fumo. Sorrio, genuinamente feliz, mas, também tenho meu cenho franzido, quase que numa sensação de que algo está errado ou de um estranhamento ou, então, de uma noção exacerbada que sou eu pedaço da pós-modernidade e do capitalismo tardio.

Eu fumava já a nove anos, percebi esses dias que nove anos são bastante coisa. Confesso que não parece, não é exatamente essa a sensação que eu consigo ter, mas, eu perdi o tempo nesses últimos anos. Não de perder tempo de vida - também foi - pelo menos não como viera nesse teu primeiro pensamento. Me perdi do tempo, da cronologia, hoje flutuo nos riachos do tempo que, enfim, parecem se acalmar. Creio na sorte que hora ou outra eu entro no eixo cronológico também, por enquanto, ainda não.

Pra além da divagação gratuita, depois de algumas tentativas, eu literalmente decidi que podia decidir parar de fumar e, desde então, não fumo mais e realmente já atingiu minha vontade de fumar, sinto faltas, mas, não da vontade de fumar, sinto saudade de uma atmosfera e uma romantização que já não tinha mais, o cigarro não era remédio pra ansiedade, era a própria ansiedade em si e, convenhamos, que não há charme algum na ansiedade. Sinto falta dos momentos, não da nicotina, se os momentos passaram, a nicotina tem de passar também.

Quando digo dessa forma quase esnobe que "decidi decidir" não é um papo de mente transgressora, etérea, ultra, poderes. Soa simples depois de um ano de terapia, não especificamente sobre o cigarro, mas, em que resvala no cigarro, nos motivos, aí sim, são outros quinhentos. Lembrei que tinha a potência do poder e o poder da potência, de que eu já me senti virtuoso o bastante para decidir sobre minha própria vida e bancar tais decisões, lembrei que isso não é um pedaço de coisa que se perdeu num caminho, é parte do meu próprio corpo, corpo esse que não é meu, é eu.

Tem toda essa filosofia existencialista, como, também tem um fato de eu ter uma ótima relação com drogas. Isso sim eu acho uma dádiva.

No aplicativo diz que recuperei alguns segundos de vida. De alguma forma, olhar pra esse aplicativo me faz pensar sobre celebrar a vida em si, talvez constantemente, utopicamente, ilusoriamente, mas, sabe? Mentir de verdade? Algo do tipo.

Confesso que eu não tenho ódio algum ao cigarro. O cigarro tem inúmeros, inúmeros problemas, mas, o problema-mor é que cigarro é gostoso pra caralho. Esse é um fato. O prazer do cigarro pós-comida e o prazer do cigarro pós-sexo são prazeres únicos, específicos, agudos e suspirantes. Vez ou outra eu devo fumar um cigarro ali ou acolá, mas, compreender que o tabaco enrolado não é extensão de meus dedos indicador e médio. Isso é importante.

Hoje eu realmente posso dizer que tenho quase trinta anos, a idolatria beatnik pelo cigarro já é demodê para o meu amadurecimento. Idolatria jamais, fantasiar pra sempre.

Hoje em dia a prudência tem charme, o cuidado é urgentemente necessário, o futuro é atrás e o passado é na frente, as ressacas são maiores, as costas doem mais, as relações profundas são escassas.

Em resumo: O ritmo da dança é outro.

Sinto falta do antes, sim, claro, mas não choro mais, não esperneio. Me ajeito no agora até achar uma posição confortável e construo esse meu conforto como quem constrói um próprio palacete. Dormir na minha cama hoje é crucial.

Que vontade de fumar um cigarro...

Mas não o bastante ainda.

Recuperarei alguns dias de vida, quiçá, alguns meses, quem sabe, anos.

Se eu consigo recuperar dias de vida, acho que consigo marcar um encontro com Deus sem ser na morte e sem ser na igreja.

Vou tentar.

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